segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Capítulo 6

A areia estava fria, a noite estrelada, o vento leve, a atmosfera horrível, os gritos de todas as direções, a escuridão permeada pela luz de projéteis. Um veículo em chamas a sua frente e Ox, com uma baioneta, corre cegamente para frente, chega a uma trincheira, projéteis luminosos voam sobre sua cabeça, acertam a cabeça de alguém a sua frente, seu capitão, o tenente morreu na praia, Ox chega a uma trincheira, chama os colegas, eles se abrigam na trincheira. O tiroteio para, o terror cresce, começa o bombardeio, uma bomba cai a metros dele, o barulho lhe deixa surdo brevemente, ergue a cabeça, há cinco mortos na trincheira. Ouvem então gritos, não, hurros, estão o atacando, grita, instintivamente: “Baionetas” todos obedecem: “mirem” eles obedecem: “atirem” eles obedecem. Ouve-se som de gritos, de carne cortada, de apocalipse, baionetas surgem a metros deles, na escuridão, eram centenas, mas eles também, Ox pega seu martelo, sua baioneta e grita: “comigo” e atira uma granada no inimigo, mas não no centro, a esquerda, e então guia seu esquadrão para a direita e os cerca. Sua coluna de baionetas contra outra, mas carne cortada, o chão fica úmido, um cheiro fétido e aterrador permeia o ar e de súbito vem a luz do sol. Um teto de concreto aparece, é de madrugada e Ox sente o vento do mar e o cheiro do lixo adentrando pela janela. Ergue a cabeça e ouviu os outros dois conversando:
--Você tem que entender que as prisões não são para corrigir os criminosos, mas para puni-los! De certa forma elas só pioram a situação ao liberar pessoas que foram torturadas intensamente na sociedade!
--Mas os Lordes dizem que todos temos uma parte boa e outra má! Então as prisões....
Não se incomodou em distinguir quem falava o que. Já era a enésima vez que aquele sonho lhe atormentava, mas já não se importava com ele, já a algum tempo havia se acostumado a ele e de certa forma, agora já lhe era quase reconfortante, fazia parte de sua rotina diária e não compartilhava este fato com ninguém.
Erguendo o restante do corpo, viu que haviam comprado pão p e que este ainda estava quente assim como algumas tais (uma fruta seca similar ao damasco), tirou a barriga da miséria e pôs-se a falar:
--Então? Como vamos fazer.... Digo, como vamos recrutar pessoal e tudo mais?
--Ele tem razão...--disse Bouc--... Equipamento e suprimentos vai ser fácil, mas é pessoal?
--Acalme-se. .. Estamos numa cidade famosa por ser lar de gente sem opção... Sei como encontrar gente por um bom preço.
--Como?
--Cartazes.
--Cartazes? Está maluco! Vamos simplesmente sair anunciando pelo mundo que vamos desafiar as leis da organização mais poderosa de todas?
--Claro que não seu idiota! Vamos encontrar nos cartazes de “serviços especiais”... Há vários grupos e indivíduos mercenários pelo local... Tudo que temos que fazer é procurar aqueles que cobram preços razoáveis.... Bouc!
--Sim?
--Você vai ficar de olho no dirigível!
--O que?...Mas porque eu?!
--Dirigível?--disse Ox, com ansiedade correu até a janela e viu, aterrorizado, o zepelim da Ordem estava ancorado na borda da ilha. Era uma estrutura curiosa, com um balão cilíndrico de cem metros de comprimento e quarenta de raio, o balão cinza carregava abaixo O que parecia ser o cesto da aeronave, este, por sua vez, era uma estrutura de aço com o formato de um barco mas adaptada aos ventos e aos cabos que a prendiam ao balão. Ox a olhava aterrorizado
--Por que não confiamos em você com dinheiro
--Oh... Bem então nesse caso tudo bem... O que devo fazer!?
--Assim que perceber que nos encontraram deve vir correndo a este prédio, vou ficar na janela, você fica ali do lado de fora com este pano, faça um sinal qualquer e então em escondo
--Se esconder? Mas como pode se esconder num cômodo deste tamanho?
--Se esconder? Eles já nos encontraram!--Ox ficava ainda mais desesperado a cada minuto-- Mas como? O que nós...
--Sem pânico cara!--lhe disse Bouc-- Ele vai te explicar tudo!
--Vem aqui que eu te explico... Bouc, pode ir.
--Ok!--e saiu
-- Primeiro lugar acalme-se! Sem pânico! Tá?
--Tá, tá..
--Ótimo, agora me escuta, agente não precisa temer a Ordem.... Tudo bem, a gente precisa! Mas ouça! Desde que eles não nos encontrem vai estar tudo bem! Só precisamos ficar fora da vista deles!
--Mas você disse que eles viriam aqui! E que você teria que se esconder!
--Eu sei... Mas não se preocupe porque eu posso dar o meu jeito... Agora veja o que você tem que fazer hoje! --deu-lhe então uma lista de materiais e equipamentos que provavelmente iriam precisar, era uma lista grande
--Mas e o dinheiro?
--Está aqui!--sacudiu então uma sacola de dinheiro na frente dele-- Eu vendi a maioria de manhã...
--Tão rápido?! Mas como?
--Vendi mais barato do que valem... Alêm disso já são quase meio dia! Você dorme demais!
--Desculpe.
--Não se preocupe com isso! Agora vá, temos que ficar o mínimo de tempo possível aqui.
--Mas e você? O que vai fazer?
--Vou traduzir os mapas do 2D para o 3D e depois de novo para o 2D, só que adaptado para nós
--....Hã!?
--Os mapas que temos são de antes de Grinard ser destruída, na época em que ela ainda era plana, não servem para os dias atuais em seu estado bruto! Mas existem algoritmos, alguns que...--sua voz se encheu de soberba--....eu mesmo inventei que podem traduzir este mapa para que nos seja mais útil.
--Entendi.
--Bem, o que está esperando? Vá logo!
Ox saiu do prédio e logo já estava no mercado. Alugou uma carroça para carregar as coisas mas sabia que na Noite elas seriam inúteis. Fazia questão de olhar para os lados, como se a qualquer instante alguém fosse saltar para lhe prender, o que inadvertidamente, trazia ainda mais atenção para si. Também não parava de olhar para a nave, que jazia parada no mesmo lugar que estava algumas hora antes.
Ao entardecer já perderá o medo de, o dia todo havia se passado sem sequer ter visto os soldados, então tudo devia estar bem. Recolheu tudo que havia conseguido na carroça e a levou para a pensão. Foi quando estava virando a esquina que os viu, cinco soldados e seu capitão, metralhadoras em punho, armaduras contra bomba, punhais e seu coração na boca. Pode sentir na hora a pulsação aumentando entrara em pânico, e por vários instantes ficou a encará-los dando a volta na esquina e se dirigindo a pensão. Estava preste a sacar sua arma ou sair correndo (ainda não havia decidiu qual dos dois) quando viu que entravam na charutaria e não subiam as escadas: “estão chegando perto” pensava consigo mesmo em pânico, mas então se acalmou, respirou fundo e se acalmou um pouco mais, decidiu que tinha que fazer alguma coisa.
Olhou pela estreita rua lotada de barraquinhas, a maioria de comida (bolos, pães, doces, de niz e algas e naturalmente, granadas). Não via Bouc em lugar nenhum, colocou então a carroça encostada contra uma parede e se esgueirou por entre algumas barracas até a frente da pensão, tentou ver Kar pela janela, nada. Sem entrar em pânico, mas quase, pensou em subir para avisar Kar mas então viu os soldados saindo da charutaria e subindo as escadas. Nos momentos seguintes, aguardou em desespero que emergissem daquele prédio poerento e velho com Kar nas mãos esperneando e gritando, mas saíram instantes depois sem nada e aparentemente desapontados. Os observou se afastarem e quando julgou seguro subiu Se encontrou com o braço do qual não gostava, subiu as escadas até o quarto dezessete, abriu a porta e...nada. Não havia nada nem ninguém lá. Saiu pelos corredores em confusão quando, de uma das portas do prédio, surgiu Bouc:
--O que? Mas como?
--A gente só teve que pedir para o cara nos trocar de quarto!
--Mas eles não revistaram o andar todo? Só um quarto?
--Os caras passaram os últimos três ou quatro dias espremidos num dirígivel, acha mesmo que estavam com saco para ficar revirando quarto por quarto?
--Puxa... Eu não tinha pensado nisso.... Muito inteligente Bouc!
--Não... Foi o Kar que me explicou isso.
--Está explicado... E onde ele está?
--Ele terminou aquela coisa dos mapas que estava fazendo e me deixou cuidando das coisas... Ah ele pediu para você botar as coisas aqui encima e então vamos encontrá-lo lá embaixo.
--Ótimo!
Desceram rapidamente e descarregaram a carroça. Terminado o serviço, devolveram a carroça e voltaram para encontrar Kar numa mesa com bebida em outros quatro boracs.
A charutaria era um ambiente sufocante e quente, todos suavam e fediam terrivelmente, mas como não podiam desistir do sabor do kurja se mantiam naquela atmosfera permeada por fumaça e tosses. Era grande, do tamanho de um restaurante, o balcão, alêm das muitas espécies de folhas de kurja, também ofereciam alguns bolos e bebidas de niz assim como potes com tariz (mas ninguém as pegava porque todos sabiam que ninguém ali lavava as mãos). Havia várias mesas de madeira barata e num canto perto duma janela, estava Kar a alguns boracs que encontrara, riam uma risada forçada de quem não tem nada a dizer. Bouc e Ox se sentaram:
--Ué? Bouc? Você está aqui?
--Sim... Por que?
--É que eu pensei que a ordem.... Nada, nada.
--O que você quer dizer com isso?
--Deixe eu lhes apresentar alguns interessados em nossa empresa
--Olá,...--disse estendendo a mão--... Sou Ox
--Eu sou Joh....
--Kar o que você quis dizer com aquilo?
--...estes são Nyan, Sam e Lasog...--sua voz simulava certa calma, mas latejava um certo misto de ansiedade com raiva, Ox não sabia o que era, mas podia ver bem em seus olhos algo de errado, uma certa inquietação. Bouc, não via nada pois ainda estava pensando no que Kar queria dizer com aquilo, mas já começava desistir até mesmo porque apoiou o plano de deixá-los ir na frente para morrer naquele porto--...Então senhores, no que podemos ser úteis?
Kar explicou a presente situação a eles brevemente e esperou a reação, viu os quatro tremularem brevemente e olharem ao seu redor:
--.... Isso é uma situação complicada....--disse Joh coçando o queixo pensativamente--... Observem que não era bem isso que tínhamos em mente quando o senhor nos chamou...
--Posso saber o que tinham em mente então?
--....Não sei... Segurança de alguma fábrica ou alguma coisa, ou roubo de carga, algo do gênero....
--Viu! O lado bom de nossa iniciativa é que é totalmente legal!
--Totalmente legal?!... Sério!
--Kar, do que você está falando?--disseram Ox e Bouc igualmente confusos
--Observem! O serviço que propomos está bem no coração da Noite certo?
--Certo...
--Então!? Por acaso algum Estado Nacional está lá?
--Algum o que?
--Algum país! Um país!
--Não...
--Então! Logo não há uma juridisção sobre aquele lugar, portanto, não é ilegal ir para lá!
--........Mas não é das leis que tememos! É da Ordem!--disse Lasog antes de se contrair nervosamente diante os olhares de reprovação de Joh, que parecia querer puni-lo por falar sem seu consentimento
--Calma! Calma! A Ordem não vai nos pegar!
--Como porde ter tanta certeza disso?
-- Simplesmente por causa disto! --e colocou sobre a mesa um mapa do Cosmos com uma linha vermelha destacando uma passagem por entre as montanhas
--Hum.... Está bem longe da Passagem e tudo mais....
--Longe? Haha... Está a dias de vigem de lá! Está a dias de viagem daqui!
--Provavelmente não deve ser patrulhada... Mas ainda assim não quer dizer que estejamos a salvo... Como venderiam a máquina aqui?
--Não é a máquina que nos importa, são os projetos! Só precisamos chegar lá, descobrir como funciona e aí voltar! Vocês recebem o dinheiro prometido e tudo bem quando termina bem!
--Espere um pourquinho aí!... A Ordem não é o único risco desta empresa não! Não se esqueçam de todo aquele zoorlógico que há lá fora!... Não quero parar no estôrmago de um daqueles bichos! Eu...
--Monstros!? Haha--Bouc se intrometeu abruptamente na conversa lançando seu tom irônico e falso de costume-- Este borac aqui matou um dorac sozinho! Eu estava lá! E ele também --disse ele colocando a mão no ombro de Ox-- Aqueles monstros não são grande coisa! Podemos nos livrar deles com o que compramos!
--E or que vocês têm?
--Ox!?
--Temos dez rifles, seiscentas balas, vinte granadas e um morteiro com vinte bombas.
--E suprimentos?
--Temos três meses de ração para dez boracs, alêm disso comprei os casacos mais quentes que consegui, alguns turuks...--um fungos que impede as infecções--... E combustível para mais de novecentas horas...
--Isso dá.... Um pouco mais de dez horas por dia, porque ser tão....
--Os horários de caça dos habitantes da Noite ocupam as outras catorze horas...
--Não sei não... Quanto estão dispostos a nos pagar?
--Mil e trezentos para carda um...
--Mil e ....?!?!--ficou atônito, era muito mais do que esperava, estava prestes a aceitar quando algo lhe veio a mente, pensou um pouco e então, encarando-os com toda a seriedade possível--.... Existem muitos daqueles bichos lá?
--Não!--disse Kar
--Imagina!--disse Ox
--...Nem são tão grandes assim!
--Nem são tão grandes assim?.... Então vocês se encontraram com eles?
--...S...Sim--disseram os três
--O grupo de vocêrs era maior?--encarava-os freneticamente
--Só nós três--disse Kar
--...É...
--...Jak-- O olhar de Joh havia lhe atingido de forma que ele não contava, ou seria o medo? O medo da culpa de estar enganando outros para terem o mesmo destino de Jak? Sua mente estava tão confusa que nem eu, o narrador, conseguiria analisar, mas fosse como fosse, não conseguia tirar de sua mente a ideia de Jak sendo queimado vivo por aquela terrível besta
--Então havia mais um?
Os três desviaram o olhar, não tinham raiva de Bouc pois os mesmos pensamentos lhes corriam pela mente:
---Vamos precisar de mais tempo para pensar... Nos encontramos depois do culto
--Depois do culto?--disse Kar com certa preoucupação
--Sim, hoje é sábado não sabia?--disse com certa ironia
--Ah não!--disse Kar com angústia-- Eu tinha me esquecido disso!
--Eu também!--disse Bouc igualmente em pânico
--Deixem de frescura vocês dois!...--disse Ox-- Mas Lasog, San, Nyan benhum de vocês tem uma opinião formada?
--Joh pode responder por nós...--disse Nyan
--Mas,..--algo lhe impediu de continuar e o grupo saiu da mesa
--Droga...--disse Bouc--...Você vai ter que procurar mais Kar... Esses aí não vão topar...
--Pelo jeito não vão mesmo... O que é uma pena pois quer dizer que vamos ter que perder mais um dia aqui e...
--Não há problema nenhum... --disse Ox com certa teatralidade, aproveitando da oportunidade-- Estes aí vão aceitar, pode ter certeza.
-- Como?--disse Kar surpreso
--Viu o casaco a roupa que usava?
--A camisa branca e as calças? O que que há?
--Eram do exército de Gaul!
--O que?.... Mas o que isso tem haver?
-- “O que tem haver?” O que tem haver é que estes são quatro desertores do exército de Gaul! E Joh, o capitão ainda deve ser o líder deles por algum tipo de cumplicidade.
--Desertores? Mas... Mas como você pode saber isso?
--Você viu as roupas não? Viu o jeito como falavam? O sotaque?
--Vi... Ou melhor, ouvi, mas....
--Ora veja só o jeito de desesperado deles! O quanto que oferecemos só atrai aqueles que já não tem mais opção! E aqueles que vem para cá são os mais sem opção que existem! E quais são aqueles que estão mais sem opção de todos?
--Os procurados.
--Exato! Devem ter fugido de seu país pois desertaram do exército o que dá pena automática de morte! Eles fogem do país largando suas coisas para trás e vem para cá! Em busca de algum serviço que lhes sirva para reiniciar a vida em algum lugar! Hahaha!--e brindou sua brilhante dedução bebendo um pouco de licor de niz
--Bela dedução.... Mas pode ser outra coisa...
--O que?
--Pode ser que eles tenham assassinado alguém e tenham fugido largando suas coisas para trás...aí eles vem até aqui e esperam que um grupo de idiotas lhes ofereçam uma boa quantia para depois os sequestrar e roubar seu dinheiro-- comemorou sua própria brilhante dedução com um copo de licor de niz
Os três ficaram quietos diante da até então impensada possibilidade:
--Seja como for, é o melhor que vamos arranjar... São os únicos que não cortaram a cabeça de ninguém ou traíram alguém por essas bandas...
--Tem razão... Agora...--olhou então para o relógio de parede-- São seis e meia, temos que nos apressar se não perderemos o culto
--Droga! Estava vendo se você se esquecia disso!--disse Kar
--Eu também!--disse Bouc--Eu te disse que ele é muito chato com essas coisas!
--Deixem disso! Agora vamos sair deste lugar! Posso sentir o câncer crescendo no meu pulmão enquanto falamos
Saíram da charutaria e viraram em três esquinas até chegarem na Rua de Todos os Lordes, onde ficava o templo da Ordem em Ponte de Pedra. Kar queria um lugar no fundo mas Ox insistiu que sentassem na frente.
Apesar de viverem lugares diferentes, falarem línguas diferentes e até terem convicções políticas diferentes, todos os boracs estão unidos no que diz respeito ao que diz os Lordes (e se você tivesse passado por tudo que eles passaram também teria). Apesar de nem todos gostarem de frequentar os cultos (de fato a maioria não gosta) tosos sabem que tem que ir, ou os Lordes ficam sabendo. E como Porto de Pedra não era exceção a cidade também contava com o seu próprio templo. Era uma estrutura simples, com oitenta metros de comprimento, por vinte de largura e quinze altura. Havia uma escada que ligava a uma arquibancada no andar superior (onde ficavam sentados os membros mais importantes da sociedade de Porto de Pedra, os saqueadores negros, com suas bandainas e camisas características). As paredes eram pintadas de branco e tinham algumas estatuetas dos Lordes maiores (Lorde Elder, Lorde Aqili, Lorde Han) todas tinham corpo, roupas e arames, mas nenhuma tinha cabeça, uma vez que a glória dos Lordes é tão grande que poucos boracs especiais podem ter “a honra de vê-los!”. O chão, por sua vez, era razoavelmente limpo e algumas colunas adornadas com mármore e granito, no púlpito iam alguns utensílios de ouro. Apareceu então o pregador, era um borac de chifres grossos, mas não altos pois haviam sido raspados, tinha uma expressão de seriedade em seu rosto e andava lenta e cerimoniosamente e vestia-se com uma enorme túnica dotada de uma enorme capa, por isso andava devagar. Atrás dele, uma banda tocava uma música lenta, cerimoniosamente e sem graça um hino em homenagem a Elder e sua vitória contra o líder dos traídores “O Lorde das Trevas” na Guerra dos Traidores, era mais ou menos assim:
“Por sua grande vitória!
Tendes misericórdia de nós!
Lutamos por sua vitória!
Mas tende piedade de nós!
Somos imperfeitos, impuros, incompletos e burros!
Mas nós te adoramos! Por que tendes piedade de nós!”
Quando, finalmente, a música acabou, fez-se um clima de tensão, tudo ficou quieto e as luzes se apagaram, o mestre do templo ficou firme e então disse:
--Oh! Lorde Potens! Lorde de Porto de Pedra! Queremos que o senhor nos dê sua graça a essa cerimônia, para que possamos saber se estamos de acordo com vossa vontade e dos outros Lorde!
Uma luz então surgiu do teto, não de uma lâmpada mas simplesmente do nada, uma brisa começou a correr do púlpito emergiu disso uma voz que disse com poder e magnificência:
--Dou minha graça para que a cerimônia se realize. Tudo está nos conformessssss!....
A voz e a luz sumiram e tudo voltou ao normal, apesar disso, ninguém se surpreendeu, as cerimônias semanais eram sempre assim, a exceção do Lorde, que variava de cidade para cidade. Começou, então, a primeira parte da cerimônia, na qual ele agradecia a cada um dos Lordes por existir e ter misericórdia deles, o que durava em média uma hora, já que cada cidade tem seu próprio Lorde o que significa que ele teria que agradecer a mais de trezentos e quarenta e dois deles. Depois, vinha a segunda parte da cerimônia, no qual eles cantavam um hino aos Lordes (mais ou menos como a anterior, só que muito, muito mais longa). Por fim, veio a terceira parte e está nos interessa:
--Agora...--sua voz era grossa, sendo simultaneamente respeitável e poderosa, mas um tanto chata--...devemos chegar a última parte da cerimônia e como todos que estavam aqui semana passada sabem, terminamos o ciclo das cerimônias a uma semana, então, iremos reiniciar o ciclo de cerimônias da maneira habitual, com uma retrospectiva do nascimento do Cosmos...
--Ãhhhhhh!!!!--todos gritaram de angústia, porque alêm de muito longa, aquela sempre era a parte mais chata, pois todos sabiam aquilo de có e já estavam cansados de ouvir.
Naquele momento, as luzes se apagaram de novo, o vento se reiniciou, mais forte, e a mesma voz voltou a falar:
--Foi mera imprensão minha ou há alguém aqui querendo desafiar o desígnio dos Lordes!? Há?!?!
--......--todos permaneciam calados por motivos óbvios
--Hã?!
--....
--Acho bom!... Continuem a cerimônia da maneira que foi estipulado!
Uma vez que a voz e a escuridão se foram, o pregador retornou ao que falava antes:
--Bem.... Prosseguindo.... Tudo começou antes mesmo do tempo existir.... Do espaço existir!... Nesses tempos, os Lordes viviam em sua própria realidade, uma realidade inatingível para criaturas simplórias e imperfeitas como nós! Mas uma realidade vazia de significado. Uma realidade triste e monótona, quase sombria, até que, de maneira que talvez nunca venhamos a descobrir, surgiu Elder! Pai! E líder de todos os outros Lordes que surgiram a partir dele! Juntos! Eles ergueram a maior sociedade possível, mais poderosa e avançada do que qualquer coisa imaginável por seres mortais mortais e carnais como nós! Após muitos e muitos éons a sociedade deles chegou ao ápice absoluto tendo conquistado todo o conhecimento e tecnologias possíveis, mas encarou então um terrível problema: “o que fazer?” já não haviam mais desafios a serem enfrentados ou territórios a serem desbravados.... Uma melancolia se abateu sobre os Lordes.... Foi nesse momento, nesse exato e incrível momento, que Elder, sentado em seu Trono de Glória, teve uma visão, a visão de um novo objetivo! Um novo desafio! A maior conquista de todas! A maior e mais gloriosa! Não de uma cidade, não um continente, ele visualizou toda uma nova realidade! Um novo universo, onde ele e seu povo seriam senhores absolutos em todos os níveis! Reinando com suas próprias Leis da Natureza! E assim, eles se empenharem e com grande esforço, eles construíram a Máquina do Cosmos! Uma criadora de realidades e de mundos! Uma construtora de universos! Eles a ligaram a maior fonte de energia que despunham e entraram na máquina e então, construíram o Primeiro Cosmos! Um grande mundo plano, com florestas, campos agricultáveis, minérios, água fresca e petróleo a vontade!... Nesse universo se estabeleceram poderosas raças das quais vocês já ouviram falar e elas construíram espetaculares estruturas que ainda hoje não conseguimos imitar! Os canais de irrigação dos Kark! As Torres dos Burbs que iam alêm do céu e as colossais fortalezas e palácios dos Grinard! Tudo isso, enquanto assistiam tudo do Alêm, o seu próprio palácio de Glória e Poder estabelecido alêm do que podemos alcançar e assim a Antiga era se passou.... Mas então, chegou ele... Aquele cujo nome não deve ser dito, aquele que vós deves sempre chamar de “Senhor das Trevas”.... Ou “Lorde das Trevas”, tanto faz, o que importa é nunca ouvir nada do que ele diz! De origens desconhecidas, essa abominação!...--enquanto falava músicos tentavam dar um ar dramático a suas palavras enquanto outros subalternos faziam um pequeno show de luzes--... é, ou era, um Lorde, mas que por sua própria ambição louca de querer mais conhecimento para sí e mais ninguém acabou se contaminando com químicos terríveis virando uma besta tão hedionda e corrupta que apenas olhar para ele pode lhe causar uma terrível doença! Foi expulso do meio dos Lordes e banido para alêm do vazio!.... Mas um dia, a mais de mil anos atrás!, ele voltou e com sua voz, a mais terrível de suas armas, ele corrompeu todos os reinos do Primeiro Cosmos! Declarando-se rei deles, formou - se assim o Exército dos Traidores! E assim! Em 25 de maio do último ano da Antiga Era, o ano de mil oitocentos e setenta e seis, ele iníciou a Guerra dos Traidores que marcharam contra os Lordes! O maior crime de todos! Cometido em massa! Ele, cujo nome nunca deve ser dito, abriu assim um portal para o Alêm e assim os traidores marcharam, armados até os dentes, contra aqueles que eram seus criadores e maiores benfeitores! Morderam a mão que os alimentava! A luta se estendeu por décadas! Não uma luta comum! Mas uma luta cruel, sanguinária, tão brutal, tão poderosa, que até mesmo Lordes caíram mortos. Com a morte destes Lordes, as leis que regiam o universo começaram a falhar e assim a gravidade e a luz principiaram a morrer, nasceu a Noite e seu líder absoluto era....Ele... Parecia que a vitória iria para as Trevas, mas então, Lorde Han teve a ideia que lhe colocaria na história como um grande Lorde! Escapando da batalha, Han se uniu a Elder e juntos eles ergueram... a primeira Cultivadora.... Uma máquina só vencida pela própria Máquina do Mundo,....e dessa máquina, saíram os primeiros boracs, mas eles não tiveram o luxo que temos hoje de desfrutar da vida! Não! Foram treinados e enviados para a luta! Eram eles mais de duzentos milhões! Uma segunda luta se estabeleceu, bilhões morreriam, tudo começando com...--nesse momento se seguiria uma explicação de duas horas sobre cada batalha da guerra então vamos pular e ir para o que nos interessa--...E então, quando Djur colocou aquela tocha sobre o barril de pólvora, sabia que era seu fim, mas com aquilo, explodiu os muros da Fortaleza das Sombras e com isso Ele foi derrotado... Humilhado, fugiu para o meio das trevas, onde se esconde até hoje, devorando os espíritos de todos aqueles que atravessam aquelas cavernas perigosas.... Mas com o final da guerra veio o júbilo e a glória! E como sinal de agradecimento! Os Lordes não apenas nos deixaram viver, como também ergueram no meio da Noite, o Segundo Cosmos! Para nós habitarmos e cultuarmos a eles! Novas cidades nasceram então! E com elas, novas Cultivadoras que juntas formaram a história que conhecemos... Obrigado e boa noite.
Kar e Bouc, que ja estavam com dor nas pernas, levantaram-se as preças e aplaudiram para ir embora, mas quando se viravam para sair viram Ox já dormindo pesadamente, acordaram-no e riram-se dele e seguiram o atormentando até a pensão. Nem no caminho, nem na charutaria ou mesmo nas ruas viram Joh e foram dormir desapontados.

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