segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Capítulo 6

A areia estava fria, a noite estrelada, o vento leve, a atmosfera horrível, os gritos de todas as direções, a escuridão permeada pela luz de projéteis. Um veículo em chamas a sua frente e Ox, com uma baioneta, corre cegamente para frente, chega a uma trincheira, projéteis luminosos voam sobre sua cabeça, acertam a cabeça de alguém a sua frente, seu capitão, o tenente morreu na praia, Ox chega a uma trincheira, chama os colegas, eles se abrigam na trincheira. O tiroteio para, o terror cresce, começa o bombardeio, uma bomba cai a metros dele, o barulho lhe deixa surdo brevemente, ergue a cabeça, há cinco mortos na trincheira. Ouvem então gritos, não, hurros, estão o atacando, grita, instintivamente: “Baionetas” todos obedecem: “mirem” eles obedecem: “atirem” eles obedecem. Ouve-se som de gritos, de carne cortada, de apocalipse, baionetas surgem a metros deles, na escuridão, eram centenas, mas eles também, Ox pega seu martelo, sua baioneta e grita: “comigo” e atira uma granada no inimigo, mas não no centro, a esquerda, e então guia seu esquadrão para a direita e os cerca. Sua coluna de baionetas contra outra, mas carne cortada, o chão fica úmido, um cheiro fétido e aterrador permeia o ar e de súbito vem a luz do sol. Um teto de concreto aparece, é de madrugada e Ox sente o vento do mar e o cheiro do lixo adentrando pela janela. Ergue a cabeça e ouviu os outros dois conversando:
--Você tem que entender que as prisões não são para corrigir os criminosos, mas para puni-los! De certa forma elas só pioram a situação ao liberar pessoas que foram torturadas intensamente na sociedade!
--Mas os Lordes dizem que todos temos uma parte boa e outra má! Então as prisões....
Não se incomodou em distinguir quem falava o que. Já era a enésima vez que aquele sonho lhe atormentava, mas já não se importava com ele, já a algum tempo havia se acostumado a ele e de certa forma, agora já lhe era quase reconfortante, fazia parte de sua rotina diária e não compartilhava este fato com ninguém.
Erguendo o restante do corpo, viu que haviam comprado pão p e que este ainda estava quente assim como algumas tais (uma fruta seca similar ao damasco), tirou a barriga da miséria e pôs-se a falar:
--Então? Como vamos fazer.... Digo, como vamos recrutar pessoal e tudo mais?
--Ele tem razão...--disse Bouc--... Equipamento e suprimentos vai ser fácil, mas é pessoal?
--Acalme-se. .. Estamos numa cidade famosa por ser lar de gente sem opção... Sei como encontrar gente por um bom preço.
--Como?
--Cartazes.
--Cartazes? Está maluco! Vamos simplesmente sair anunciando pelo mundo que vamos desafiar as leis da organização mais poderosa de todas?
--Claro que não seu idiota! Vamos encontrar nos cartazes de “serviços especiais”... Há vários grupos e indivíduos mercenários pelo local... Tudo que temos que fazer é procurar aqueles que cobram preços razoáveis.... Bouc!
--Sim?
--Você vai ficar de olho no dirigível!
--O que?...Mas porque eu?!
--Dirigível?--disse Ox, com ansiedade correu até a janela e viu, aterrorizado, o zepelim da Ordem estava ancorado na borda da ilha. Era uma estrutura curiosa, com um balão cilíndrico de cem metros de comprimento e quarenta de raio, o balão cinza carregava abaixo O que parecia ser o cesto da aeronave, este, por sua vez, era uma estrutura de aço com o formato de um barco mas adaptada aos ventos e aos cabos que a prendiam ao balão. Ox a olhava aterrorizado
--Por que não confiamos em você com dinheiro
--Oh... Bem então nesse caso tudo bem... O que devo fazer!?
--Assim que perceber que nos encontraram deve vir correndo a este prédio, vou ficar na janela, você fica ali do lado de fora com este pano, faça um sinal qualquer e então em escondo
--Se esconder? Mas como pode se esconder num cômodo deste tamanho?
--Se esconder? Eles já nos encontraram!--Ox ficava ainda mais desesperado a cada minuto-- Mas como? O que nós...
--Sem pânico cara!--lhe disse Bouc-- Ele vai te explicar tudo!
--Vem aqui que eu te explico... Bouc, pode ir.
--Ok!--e saiu
-- Primeiro lugar acalme-se! Sem pânico! Tá?
--Tá, tá..
--Ótimo, agora me escuta, agente não precisa temer a Ordem.... Tudo bem, a gente precisa! Mas ouça! Desde que eles não nos encontrem vai estar tudo bem! Só precisamos ficar fora da vista deles!
--Mas você disse que eles viriam aqui! E que você teria que se esconder!
--Eu sei... Mas não se preocupe porque eu posso dar o meu jeito... Agora veja o que você tem que fazer hoje! --deu-lhe então uma lista de materiais e equipamentos que provavelmente iriam precisar, era uma lista grande
--Mas e o dinheiro?
--Está aqui!--sacudiu então uma sacola de dinheiro na frente dele-- Eu vendi a maioria de manhã...
--Tão rápido?! Mas como?
--Vendi mais barato do que valem... Alêm disso já são quase meio dia! Você dorme demais!
--Desculpe.
--Não se preocupe com isso! Agora vá, temos que ficar o mínimo de tempo possível aqui.
--Mas e você? O que vai fazer?
--Vou traduzir os mapas do 2D para o 3D e depois de novo para o 2D, só que adaptado para nós
--....Hã!?
--Os mapas que temos são de antes de Grinard ser destruída, na época em que ela ainda era plana, não servem para os dias atuais em seu estado bruto! Mas existem algoritmos, alguns que...--sua voz se encheu de soberba--....eu mesmo inventei que podem traduzir este mapa para que nos seja mais útil.
--Entendi.
--Bem, o que está esperando? Vá logo!
Ox saiu do prédio e logo já estava no mercado. Alugou uma carroça para carregar as coisas mas sabia que na Noite elas seriam inúteis. Fazia questão de olhar para os lados, como se a qualquer instante alguém fosse saltar para lhe prender, o que inadvertidamente, trazia ainda mais atenção para si. Também não parava de olhar para a nave, que jazia parada no mesmo lugar que estava algumas hora antes.
Ao entardecer já perderá o medo de, o dia todo havia se passado sem sequer ter visto os soldados, então tudo devia estar bem. Recolheu tudo que havia conseguido na carroça e a levou para a pensão. Foi quando estava virando a esquina que os viu, cinco soldados e seu capitão, metralhadoras em punho, armaduras contra bomba, punhais e seu coração na boca. Pode sentir na hora a pulsação aumentando entrara em pânico, e por vários instantes ficou a encará-los dando a volta na esquina e se dirigindo a pensão. Estava preste a sacar sua arma ou sair correndo (ainda não havia decidiu qual dos dois) quando viu que entravam na charutaria e não subiam as escadas: “estão chegando perto” pensava consigo mesmo em pânico, mas então se acalmou, respirou fundo e se acalmou um pouco mais, decidiu que tinha que fazer alguma coisa.
Olhou pela estreita rua lotada de barraquinhas, a maioria de comida (bolos, pães, doces, de niz e algas e naturalmente, granadas). Não via Bouc em lugar nenhum, colocou então a carroça encostada contra uma parede e se esgueirou por entre algumas barracas até a frente da pensão, tentou ver Kar pela janela, nada. Sem entrar em pânico, mas quase, pensou em subir para avisar Kar mas então viu os soldados saindo da charutaria e subindo as escadas. Nos momentos seguintes, aguardou em desespero que emergissem daquele prédio poerento e velho com Kar nas mãos esperneando e gritando, mas saíram instantes depois sem nada e aparentemente desapontados. Os observou se afastarem e quando julgou seguro subiu Se encontrou com o braço do qual não gostava, subiu as escadas até o quarto dezessete, abriu a porta e...nada. Não havia nada nem ninguém lá. Saiu pelos corredores em confusão quando, de uma das portas do prédio, surgiu Bouc:
--O que? Mas como?
--A gente só teve que pedir para o cara nos trocar de quarto!
--Mas eles não revistaram o andar todo? Só um quarto?
--Os caras passaram os últimos três ou quatro dias espremidos num dirígivel, acha mesmo que estavam com saco para ficar revirando quarto por quarto?
--Puxa... Eu não tinha pensado nisso.... Muito inteligente Bouc!
--Não... Foi o Kar que me explicou isso.
--Está explicado... E onde ele está?
--Ele terminou aquela coisa dos mapas que estava fazendo e me deixou cuidando das coisas... Ah ele pediu para você botar as coisas aqui encima e então vamos encontrá-lo lá embaixo.
--Ótimo!
Desceram rapidamente e descarregaram a carroça. Terminado o serviço, devolveram a carroça e voltaram para encontrar Kar numa mesa com bebida em outros quatro boracs.
A charutaria era um ambiente sufocante e quente, todos suavam e fediam terrivelmente, mas como não podiam desistir do sabor do kurja se mantiam naquela atmosfera permeada por fumaça e tosses. Era grande, do tamanho de um restaurante, o balcão, alêm das muitas espécies de folhas de kurja, também ofereciam alguns bolos e bebidas de niz assim como potes com tariz (mas ninguém as pegava porque todos sabiam que ninguém ali lavava as mãos). Havia várias mesas de madeira barata e num canto perto duma janela, estava Kar a alguns boracs que encontrara, riam uma risada forçada de quem não tem nada a dizer. Bouc e Ox se sentaram:
--Ué? Bouc? Você está aqui?
--Sim... Por que?
--É que eu pensei que a ordem.... Nada, nada.
--O que você quer dizer com isso?
--Deixe eu lhes apresentar alguns interessados em nossa empresa
--Olá,...--disse estendendo a mão--... Sou Ox
--Eu sou Joh....
--Kar o que você quis dizer com aquilo?
--...estes são Nyan, Sam e Lasog...--sua voz simulava certa calma, mas latejava um certo misto de ansiedade com raiva, Ox não sabia o que era, mas podia ver bem em seus olhos algo de errado, uma certa inquietação. Bouc, não via nada pois ainda estava pensando no que Kar queria dizer com aquilo, mas já começava desistir até mesmo porque apoiou o plano de deixá-los ir na frente para morrer naquele porto--...Então senhores, no que podemos ser úteis?
Kar explicou a presente situação a eles brevemente e esperou a reação, viu os quatro tremularem brevemente e olharem ao seu redor:
--.... Isso é uma situação complicada....--disse Joh coçando o queixo pensativamente--... Observem que não era bem isso que tínhamos em mente quando o senhor nos chamou...
--Posso saber o que tinham em mente então?
--....Não sei... Segurança de alguma fábrica ou alguma coisa, ou roubo de carga, algo do gênero....
--Viu! O lado bom de nossa iniciativa é que é totalmente legal!
--Totalmente legal?!... Sério!
--Kar, do que você está falando?--disseram Ox e Bouc igualmente confusos
--Observem! O serviço que propomos está bem no coração da Noite certo?
--Certo...
--Então!? Por acaso algum Estado Nacional está lá?
--Algum o que?
--Algum país! Um país!
--Não...
--Então! Logo não há uma juridisção sobre aquele lugar, portanto, não é ilegal ir para lá!
--........Mas não é das leis que tememos! É da Ordem!--disse Lasog antes de se contrair nervosamente diante os olhares de reprovação de Joh, que parecia querer puni-lo por falar sem seu consentimento
--Calma! Calma! A Ordem não vai nos pegar!
--Como porde ter tanta certeza disso?
-- Simplesmente por causa disto! --e colocou sobre a mesa um mapa do Cosmos com uma linha vermelha destacando uma passagem por entre as montanhas
--Hum.... Está bem longe da Passagem e tudo mais....
--Longe? Haha... Está a dias de vigem de lá! Está a dias de viagem daqui!
--Provavelmente não deve ser patrulhada... Mas ainda assim não quer dizer que estejamos a salvo... Como venderiam a máquina aqui?
--Não é a máquina que nos importa, são os projetos! Só precisamos chegar lá, descobrir como funciona e aí voltar! Vocês recebem o dinheiro prometido e tudo bem quando termina bem!
--Espere um pourquinho aí!... A Ordem não é o único risco desta empresa não! Não se esqueçam de todo aquele zoorlógico que há lá fora!... Não quero parar no estôrmago de um daqueles bichos! Eu...
--Monstros!? Haha--Bouc se intrometeu abruptamente na conversa lançando seu tom irônico e falso de costume-- Este borac aqui matou um dorac sozinho! Eu estava lá! E ele também --disse ele colocando a mão no ombro de Ox-- Aqueles monstros não são grande coisa! Podemos nos livrar deles com o que compramos!
--E or que vocês têm?
--Ox!?
--Temos dez rifles, seiscentas balas, vinte granadas e um morteiro com vinte bombas.
--E suprimentos?
--Temos três meses de ração para dez boracs, alêm disso comprei os casacos mais quentes que consegui, alguns turuks...--um fungos que impede as infecções--... E combustível para mais de novecentas horas...
--Isso dá.... Um pouco mais de dez horas por dia, porque ser tão....
--Os horários de caça dos habitantes da Noite ocupam as outras catorze horas...
--Não sei não... Quanto estão dispostos a nos pagar?
--Mil e trezentos para carda um...
--Mil e ....?!?!--ficou atônito, era muito mais do que esperava, estava prestes a aceitar quando algo lhe veio a mente, pensou um pouco e então, encarando-os com toda a seriedade possível--.... Existem muitos daqueles bichos lá?
--Não!--disse Kar
--Imagina!--disse Ox
--...Nem são tão grandes assim!
--Nem são tão grandes assim?.... Então vocês se encontraram com eles?
--...S...Sim--disseram os três
--O grupo de vocêrs era maior?--encarava-os freneticamente
--Só nós três--disse Kar
--...É...
--...Jak-- O olhar de Joh havia lhe atingido de forma que ele não contava, ou seria o medo? O medo da culpa de estar enganando outros para terem o mesmo destino de Jak? Sua mente estava tão confusa que nem eu, o narrador, conseguiria analisar, mas fosse como fosse, não conseguia tirar de sua mente a ideia de Jak sendo queimado vivo por aquela terrível besta
--Então havia mais um?
Os três desviaram o olhar, não tinham raiva de Bouc pois os mesmos pensamentos lhes corriam pela mente:
---Vamos precisar de mais tempo para pensar... Nos encontramos depois do culto
--Depois do culto?--disse Kar com certa preoucupação
--Sim, hoje é sábado não sabia?--disse com certa ironia
--Ah não!--disse Kar com angústia-- Eu tinha me esquecido disso!
--Eu também!--disse Bouc igualmente em pânico
--Deixem de frescura vocês dois!...--disse Ox-- Mas Lasog, San, Nyan benhum de vocês tem uma opinião formada?
--Joh pode responder por nós...--disse Nyan
--Mas,..--algo lhe impediu de continuar e o grupo saiu da mesa
--Droga...--disse Bouc--...Você vai ter que procurar mais Kar... Esses aí não vão topar...
--Pelo jeito não vão mesmo... O que é uma pena pois quer dizer que vamos ter que perder mais um dia aqui e...
--Não há problema nenhum... --disse Ox com certa teatralidade, aproveitando da oportunidade-- Estes aí vão aceitar, pode ter certeza.
-- Como?--disse Kar surpreso
--Viu o casaco a roupa que usava?
--A camisa branca e as calças? O que que há?
--Eram do exército de Gaul!
--O que?.... Mas o que isso tem haver?
-- “O que tem haver?” O que tem haver é que estes são quatro desertores do exército de Gaul! E Joh, o capitão ainda deve ser o líder deles por algum tipo de cumplicidade.
--Desertores? Mas... Mas como você pode saber isso?
--Você viu as roupas não? Viu o jeito como falavam? O sotaque?
--Vi... Ou melhor, ouvi, mas....
--Ora veja só o jeito de desesperado deles! O quanto que oferecemos só atrai aqueles que já não tem mais opção! E aqueles que vem para cá são os mais sem opção que existem! E quais são aqueles que estão mais sem opção de todos?
--Os procurados.
--Exato! Devem ter fugido de seu país pois desertaram do exército o que dá pena automática de morte! Eles fogem do país largando suas coisas para trás e vem para cá! Em busca de algum serviço que lhes sirva para reiniciar a vida em algum lugar! Hahaha!--e brindou sua brilhante dedução bebendo um pouco de licor de niz
--Bela dedução.... Mas pode ser outra coisa...
--O que?
--Pode ser que eles tenham assassinado alguém e tenham fugido largando suas coisas para trás...aí eles vem até aqui e esperam que um grupo de idiotas lhes ofereçam uma boa quantia para depois os sequestrar e roubar seu dinheiro-- comemorou sua própria brilhante dedução com um copo de licor de niz
Os três ficaram quietos diante da até então impensada possibilidade:
--Seja como for, é o melhor que vamos arranjar... São os únicos que não cortaram a cabeça de ninguém ou traíram alguém por essas bandas...
--Tem razão... Agora...--olhou então para o relógio de parede-- São seis e meia, temos que nos apressar se não perderemos o culto
--Droga! Estava vendo se você se esquecia disso!--disse Kar
--Eu também!--disse Bouc--Eu te disse que ele é muito chato com essas coisas!
--Deixem disso! Agora vamos sair deste lugar! Posso sentir o câncer crescendo no meu pulmão enquanto falamos
Saíram da charutaria e viraram em três esquinas até chegarem na Rua de Todos os Lordes, onde ficava o templo da Ordem em Ponte de Pedra. Kar queria um lugar no fundo mas Ox insistiu que sentassem na frente.
Apesar de viverem lugares diferentes, falarem línguas diferentes e até terem convicções políticas diferentes, todos os boracs estão unidos no que diz respeito ao que diz os Lordes (e se você tivesse passado por tudo que eles passaram também teria). Apesar de nem todos gostarem de frequentar os cultos (de fato a maioria não gosta) tosos sabem que tem que ir, ou os Lordes ficam sabendo. E como Porto de Pedra não era exceção a cidade também contava com o seu próprio templo. Era uma estrutura simples, com oitenta metros de comprimento, por vinte de largura e quinze altura. Havia uma escada que ligava a uma arquibancada no andar superior (onde ficavam sentados os membros mais importantes da sociedade de Porto de Pedra, os saqueadores negros, com suas bandainas e camisas características). As paredes eram pintadas de branco e tinham algumas estatuetas dos Lordes maiores (Lorde Elder, Lorde Aqili, Lorde Han) todas tinham corpo, roupas e arames, mas nenhuma tinha cabeça, uma vez que a glória dos Lordes é tão grande que poucos boracs especiais podem ter “a honra de vê-los!”. O chão, por sua vez, era razoavelmente limpo e algumas colunas adornadas com mármore e granito, no púlpito iam alguns utensílios de ouro. Apareceu então o pregador, era um borac de chifres grossos, mas não altos pois haviam sido raspados, tinha uma expressão de seriedade em seu rosto e andava lenta e cerimoniosamente e vestia-se com uma enorme túnica dotada de uma enorme capa, por isso andava devagar. Atrás dele, uma banda tocava uma música lenta, cerimoniosamente e sem graça um hino em homenagem a Elder e sua vitória contra o líder dos traídores “O Lorde das Trevas” na Guerra dos Traidores, era mais ou menos assim:
“Por sua grande vitória!
Tendes misericórdia de nós!
Lutamos por sua vitória!
Mas tende piedade de nós!
Somos imperfeitos, impuros, incompletos e burros!
Mas nós te adoramos! Por que tendes piedade de nós!”
Quando, finalmente, a música acabou, fez-se um clima de tensão, tudo ficou quieto e as luzes se apagaram, o mestre do templo ficou firme e então disse:
--Oh! Lorde Potens! Lorde de Porto de Pedra! Queremos que o senhor nos dê sua graça a essa cerimônia, para que possamos saber se estamos de acordo com vossa vontade e dos outros Lorde!
Uma luz então surgiu do teto, não de uma lâmpada mas simplesmente do nada, uma brisa começou a correr do púlpito emergiu disso uma voz que disse com poder e magnificência:
--Dou minha graça para que a cerimônia se realize. Tudo está nos conformessssss!....
A voz e a luz sumiram e tudo voltou ao normal, apesar disso, ninguém se surpreendeu, as cerimônias semanais eram sempre assim, a exceção do Lorde, que variava de cidade para cidade. Começou, então, a primeira parte da cerimônia, na qual ele agradecia a cada um dos Lordes por existir e ter misericórdia deles, o que durava em média uma hora, já que cada cidade tem seu próprio Lorde o que significa que ele teria que agradecer a mais de trezentos e quarenta e dois deles. Depois, vinha a segunda parte da cerimônia, no qual eles cantavam um hino aos Lordes (mais ou menos como a anterior, só que muito, muito mais longa). Por fim, veio a terceira parte e está nos interessa:
--Agora...--sua voz era grossa, sendo simultaneamente respeitável e poderosa, mas um tanto chata--...devemos chegar a última parte da cerimônia e como todos que estavam aqui semana passada sabem, terminamos o ciclo das cerimônias a uma semana, então, iremos reiniciar o ciclo de cerimônias da maneira habitual, com uma retrospectiva do nascimento do Cosmos...
--Ãhhhhhh!!!!--todos gritaram de angústia, porque alêm de muito longa, aquela sempre era a parte mais chata, pois todos sabiam aquilo de có e já estavam cansados de ouvir.
Naquele momento, as luzes se apagaram de novo, o vento se reiniciou, mais forte, e a mesma voz voltou a falar:
--Foi mera imprensão minha ou há alguém aqui querendo desafiar o desígnio dos Lordes!? Há?!?!
--......--todos permaneciam calados por motivos óbvios
--Hã?!
--....
--Acho bom!... Continuem a cerimônia da maneira que foi estipulado!
Uma vez que a voz e a escuridão se foram, o pregador retornou ao que falava antes:
--Bem.... Prosseguindo.... Tudo começou antes mesmo do tempo existir.... Do espaço existir!... Nesses tempos, os Lordes viviam em sua própria realidade, uma realidade inatingível para criaturas simplórias e imperfeitas como nós! Mas uma realidade vazia de significado. Uma realidade triste e monótona, quase sombria, até que, de maneira que talvez nunca venhamos a descobrir, surgiu Elder! Pai! E líder de todos os outros Lordes que surgiram a partir dele! Juntos! Eles ergueram a maior sociedade possível, mais poderosa e avançada do que qualquer coisa imaginável por seres mortais mortais e carnais como nós! Após muitos e muitos éons a sociedade deles chegou ao ápice absoluto tendo conquistado todo o conhecimento e tecnologias possíveis, mas encarou então um terrível problema: “o que fazer?” já não haviam mais desafios a serem enfrentados ou territórios a serem desbravados.... Uma melancolia se abateu sobre os Lordes.... Foi nesse momento, nesse exato e incrível momento, que Elder, sentado em seu Trono de Glória, teve uma visão, a visão de um novo objetivo! Um novo desafio! A maior conquista de todas! A maior e mais gloriosa! Não de uma cidade, não um continente, ele visualizou toda uma nova realidade! Um novo universo, onde ele e seu povo seriam senhores absolutos em todos os níveis! Reinando com suas próprias Leis da Natureza! E assim, eles se empenharem e com grande esforço, eles construíram a Máquina do Cosmos! Uma criadora de realidades e de mundos! Uma construtora de universos! Eles a ligaram a maior fonte de energia que despunham e entraram na máquina e então, construíram o Primeiro Cosmos! Um grande mundo plano, com florestas, campos agricultáveis, minérios, água fresca e petróleo a vontade!... Nesse universo se estabeleceram poderosas raças das quais vocês já ouviram falar e elas construíram espetaculares estruturas que ainda hoje não conseguimos imitar! Os canais de irrigação dos Kark! As Torres dos Burbs que iam alêm do céu e as colossais fortalezas e palácios dos Grinard! Tudo isso, enquanto assistiam tudo do Alêm, o seu próprio palácio de Glória e Poder estabelecido alêm do que podemos alcançar e assim a Antiga era se passou.... Mas então, chegou ele... Aquele cujo nome não deve ser dito, aquele que vós deves sempre chamar de “Senhor das Trevas”.... Ou “Lorde das Trevas”, tanto faz, o que importa é nunca ouvir nada do que ele diz! De origens desconhecidas, essa abominação!...--enquanto falava músicos tentavam dar um ar dramático a suas palavras enquanto outros subalternos faziam um pequeno show de luzes--... é, ou era, um Lorde, mas que por sua própria ambição louca de querer mais conhecimento para sí e mais ninguém acabou se contaminando com químicos terríveis virando uma besta tão hedionda e corrupta que apenas olhar para ele pode lhe causar uma terrível doença! Foi expulso do meio dos Lordes e banido para alêm do vazio!.... Mas um dia, a mais de mil anos atrás!, ele voltou e com sua voz, a mais terrível de suas armas, ele corrompeu todos os reinos do Primeiro Cosmos! Declarando-se rei deles, formou - se assim o Exército dos Traidores! E assim! Em 25 de maio do último ano da Antiga Era, o ano de mil oitocentos e setenta e seis, ele iníciou a Guerra dos Traidores que marcharam contra os Lordes! O maior crime de todos! Cometido em massa! Ele, cujo nome nunca deve ser dito, abriu assim um portal para o Alêm e assim os traidores marcharam, armados até os dentes, contra aqueles que eram seus criadores e maiores benfeitores! Morderam a mão que os alimentava! A luta se estendeu por décadas! Não uma luta comum! Mas uma luta cruel, sanguinária, tão brutal, tão poderosa, que até mesmo Lordes caíram mortos. Com a morte destes Lordes, as leis que regiam o universo começaram a falhar e assim a gravidade e a luz principiaram a morrer, nasceu a Noite e seu líder absoluto era....Ele... Parecia que a vitória iria para as Trevas, mas então, Lorde Han teve a ideia que lhe colocaria na história como um grande Lorde! Escapando da batalha, Han se uniu a Elder e juntos eles ergueram... a primeira Cultivadora.... Uma máquina só vencida pela própria Máquina do Mundo,....e dessa máquina, saíram os primeiros boracs, mas eles não tiveram o luxo que temos hoje de desfrutar da vida! Não! Foram treinados e enviados para a luta! Eram eles mais de duzentos milhões! Uma segunda luta se estabeleceu, bilhões morreriam, tudo começando com...--nesse momento se seguiria uma explicação de duas horas sobre cada batalha da guerra então vamos pular e ir para o que nos interessa--...E então, quando Djur colocou aquela tocha sobre o barril de pólvora, sabia que era seu fim, mas com aquilo, explodiu os muros da Fortaleza das Sombras e com isso Ele foi derrotado... Humilhado, fugiu para o meio das trevas, onde se esconde até hoje, devorando os espíritos de todos aqueles que atravessam aquelas cavernas perigosas.... Mas com o final da guerra veio o júbilo e a glória! E como sinal de agradecimento! Os Lordes não apenas nos deixaram viver, como também ergueram no meio da Noite, o Segundo Cosmos! Para nós habitarmos e cultuarmos a eles! Novas cidades nasceram então! E com elas, novas Cultivadoras que juntas formaram a história que conhecemos... Obrigado e boa noite.
Kar e Bouc, que ja estavam com dor nas pernas, levantaram-se as preças e aplaudiram para ir embora, mas quando se viravam para sair viram Ox já dormindo pesadamente, acordaram-no e riram-se dele e seguiram o atormentando até a pensão. Nem no caminho, nem na charutaria ou mesmo nas ruas viram Joh e foram dormir desapontados.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Capítulo 5

Elsinor era a maior de todas as cidadelas jamais construídas no Cosmos. Erguida em meio a uma planície clima frio e desértico, com grandes extensões de grama ao seu redor, a cidadela é flanqueada por dois rios finos, que dão vazão as plantações de niz locais, a capital da Ordem e das cidades sobre seu comando, toda a Região Sul basicamente. A cidadela é cercada por uma série de defesas modernas, campos minados, trincheiras com metralhadoras, bunkers e canhões, mas a cidade em si ainda é marcada por seu passado mais antiquado, contando com muitos prédios construídos no estilo gótico em seu centro e com muros baixos e grossos da época dos primeiros canhões. Bem no seu centro, destacava-se a gigantesca Basílica de Elder (as vezes chamada de Templo), uma colossal estrutura em estilo gótico com quinhentos metros de comprimento, por sessenta de largura e 100 de altura, contando com vitrais gigantescos, fontes e a frescos que decoravam uma infinidade de salões construídos para a administração e em um desses salões, nossa estoria prossegue.
      Cercados por vários afrescos com ilustrações de grandes batalhas da antiguidade, das quais ninguém lembra sequer o nome, o Mestre conversava com os Marechais, o Almirante e alguns operadores de telégrafos que comunicavam todas as decisões tomadas para as embaixadas no estrangeiro:
 --Então o que vocês propõem? Uma caçada pelo mar?--dizia Bahr após concluir a sua explicação
 --Bem senhor...--tomou então a palavra o Almirante Djan que usava sua armadura branca de costume--... Não acho que seja prático... Ontem..., aliás, nos últimos meses, tivemos ventos fortes todas as noites! Já devem estar a mais de cem quilômetros de onde saíram agora!
 --Então por mar seria impraticável?
 --Não impraticável vossa excelência, mas bem pouco provavelmente bem sucedido... Entenda que, mesmo que fossem de alguma nação, bem pouco provavelmente se dirigiriam para ela agora. Seriam identificados pelo barco. Então ainda devem estar no meio do mar, levaria dias para encontrá-los!
 --Então para onde iriam?
 --Porto de Pedra excelência... Seria o mais provável!
 --Desculpe-me interromper excelência!...--disse o Marechal Trail da Força Aérea da Ordem (FAO)--... Mas creio que um dos nossos zepelins poderia dar cabo do recado excelência! De fato já ordenei que um deles erguesse vôo e partisse excelência!
 --O que?!
 --Sim senhor... Eu... Conclui, excelência que...--a possibilidade de ter cometido um erro aos olhos do Mestre fez com que sua mente se confundisse por absoluto
 --Tudo bem... Porto de Pedra esta a uns...deixe-me ver, se a Passagem está uns trinta quilômetros ao sul e eles já percorreram uns cem quilômetros eles ainda vão ter que percorrer mais uns...--contou com os dedos-- ....uns quatrocentos quilômetros?
 --Quatrocentos e trinta e três senhor!--disse agora um pouco mais calmo
 --Mas senhor!--interrompeu novamente o Almirante em pânico de que aquilo trouxesse mais prestígio ao marechal do que a ele-- A busca aérea não seria necessariamente bem sucedida!.. Alêm disso o que eu falei é só uma estimativa!... Existe uma série de variáveis que não considerei!
 --Isso não importa agora! O que importa é os encontrarmos e descobrirmos de onde vieram!... Aí vamos cobrar explicações donpaís em questão! Agora, vamos para o resto! Telégrafos! Alertem nossas embaixadas! Ordene que, discretamente, alertem as autoridades locais! Senhores, quero que me mostrem todos os planos de defesa e ataque que tivermos! Você! Marechal Dru --Forças em Terra-- não vai acrescentar nada?
 --Uma perseguição na água não nos compete senhor... Mas eu não entendo é por que toda essa preoucupação com o roubo de apenas um barco, se vossa excelência me permite a pergunta...
 --....Marechal...--disse ele com um olhar ácido para Dru. Decidiu começar pelo lado do sagrado--...Estes ladrões não roubaram apenas um barco! Eles roubaram um barco de uma instituição cuja a vocacão é unica e exclusivamente a manutençãonda vontade dos Lordes sobre esta terra... Alêm disso --decidiu partir então do sagrado para o político--... devo lhe lembrar que a entrada naquelas terras é proíbida termitantemente por uma série de tratados que assinamos com os estrangeiros! Sem contar o fato de que se a notícia se espalhar pense só no que poderá acontecer! Hordas de “aventureiros” tentando passar as trincheira e centenas e centenas de incidentes internacionais para nos atormentar a cabeça! Mas agora,...-- voltou-se então para o único lado que faltava--...quando os encontrarmos, é inegável que poderemos ter certos benefícios materias... Pois um incidente internacional destes poderia nos render certos aumentos percentuais nas doações que recebemos do esterior... Agora adiante!
       Bahr era alguém que sabia das coisas. Sabia como organizar uma instituição, como liderar tropas, como manipular eleições internas e principalmente, como impor e ordem e respeito, o que ele não sabia, era que a previsão do Almirante fora calculada supondo que o barco teira sido roubado as cinco daquela manhã, quando de fato ele fora roubado as seis da tarde anterior e já eram cinco da tarde daquele dia. E por isso que o trio se encontrava não a cem mas sim quase duzentos quilômetros de onde partiram, agora conversando sobre o clima e o valor de suas descobertas:
 --Já devemos estar saindo das águas da Ordem!--dizia Bouc--... Já começo a sentir o maldiro calor desta terra esquecida pelos Lordes!
 --Para alguém que veio de Riacho Negro você odeia este clima não é mesmo?--disse Kar fingindo desinteresse
 --...Eu vim daqui mas não quer dizer que gosto do clima! Já começo a sentir o calor! Quinhentos quilômetros de Norte a Sul! Trezentos de  leste a oeste! E tudo de um calor infernal! Por que os ventos frios da Noite não chegam aqui?--em sua maior parte, o Cosmos tem um clima quente, Elsinor e o sul só gozam de um clima bem mais ameno devido aos ventos congelantes que vem da noite através da Passagem
  --Ok, ok estreçadinho... Agora vamos falar de algo mais interessante do que isso...--Kar fingia desinteresse mas não se esquecia que quando se encontraram pela primeira vez Ox lhe explicou que haviam vindo de Gaul, embora não precisasse disso para saber que aquilo não era verdade
 --Tem razão Kar! Devemos nos centrar nisso aqui! Ainda temos dois dias, antes de chegarmos a Porto de Pedra precisamos ter tudo organizado!--disse Ox enquanto ajeitava os livros no chão com certa angustia no olhar--... Você tem certeza que ainda são vendáveis? Mesmo depois de toda aquela água?
 --Eu sempre estou precavido para todo tipo de situação... Coloquei os livros dentro de duas sacolas de couro, uma dentro da outra! Não há riscos de estarem, estragados,....muito... Mas ainda estão vendáveis!
 --Mas e esta úmidade? E este cheiro de sal!?
 --Já vi alguns serem vendidos por muito mais caro estando em condições vem piores...
 --Bem se é assim... Mas como assim “mais caro“?
 --Agora que roubamos um barco da Ordem ela está atrás de nós... Já devem haver avisos sobre isso em vários locais... Alêm disso agora eles vão fortalecer ainda mais a vigilância.... Então é melhor sermos rápidos antes que vejamos mais torres sendo erguidas...
 --Faz sentido....
 --Mas não muito barato!--interviu Bouc temendo prejuízo
 --Não se preoucupe Bouc... Mas agora, eu estava pensando numa coisa...
 --O que?--indagou Ox enquanto continuava a analizar e classificar os livros
 --Como foi que vocês passaram pelas trincheiras?... Não consigo entender!
 --....Eh....E como você passou pelas trincheiras? --disse Ox mudando de assunto em pânico--também não conseguimos entender isso!
 --Cavernas...
 --Mas você disse que só encontrou aquela caverna depois que ficou preso do outro lado das montanhas!
 --E achei.. Mas não foi por aquela caverna que eu passei...
 --Encontrou outra?
 --Sim... Escalando as montanhas... É bem mais larga do que aquela outra... Dá até para passar com uma carroça, mas isso não será necessário...
 --Mas como a encontrou?--disse Ox estupefato
 --Simples... Há uns dez anos atrás...ou seriam dez ou doze? Não importa! A muitos anos atrás! Quando eu ainda estava iniciando minhas pesquisas...--parou de falar então por um minuto para fingir checar sua bússola e então "corrigiu" um pouco a rota girando o timão--... Eu já sabia que não passaria pelas trincheiras, então bolei uma plano que parecia simples, escalar montanhas absurdamente íngremes. Depois de cinco tentativas frustradas encontrei uma rede de cavernas que guiava de um lado ao outro das cordilheiras....
 --E as outras expediçôes?
 --Bem...
     Nos dois dias seguintes Ox e Bouc ficaram a ouvir atentamente as estórias de Kar, mesmo que ambos soubessem muito bem que grande parte daquilo que ele dizia provavelmente não passava de estória de pescador, ou nesse caso, de físico. Nesse meio tempo sentiram radicalmente a mudança do clima frio do Sul enquanto cruzavam as águas mornas e tropicais de Riacho Negro (falaremos dela mais a frente) enquanto se dirigiam ao seu destino final, Porto de Pedra.
      A cidade não era das mais acolhedoras, como a vasta quantidade de lixo ao seu redor ou os prédios belos e decrépitos deixavam transparecer, mas sem sombra de dúvida fora casa de Kar como seu rosto vermelho de alegria deste o deixava transparecer: “Visto que a exploração da Noite ser ilegal, pensei que seria melhor ir para um lugar onde isso não fosse problema” e tinha razão em faze-lo. A cinco quilômetros do litoral, a estrutura é uma conquista da engenharia, construída sobre uma área mais raza do oceano, sendo composta por um único pilar de pedra e concreto que se ergue oitenta metros acima do leito marinho, com um formato circular e um raio de setecentos metros. Sem um governo estabelecido, a comunidade é formada principalmente por comerciantes que querem se aproveitar pela ausência de impostos assim como todo tipo de transeunte em busca de “oportunidades”.
       Ancoraram em um dos muitos cais de madeira que se projetavam daquela circunferência de concreto. Saltando do barco, Ox logo sentiu a instabilidade do cais, que tremeu só de pisar nele e ficou nervoso: “como se o cheiro de esgoto, sal e o som de gritos e brigas já não fosse o suficiente” pensava consigo mesmo. Bouc ia desembarcar quando Kar interviu:
 --Por aqui isso não se faz! Um barco sozinho? Hehehe
 --É um turista! Hehehe--gritou uma voz rouca ao fundo que nenhum deles reconheceu ou se importou em reconhecer
 --Pegue!--Kar atirou-lhe o rifle de volta--... Agora trate daquilo que conversamos!
 --Pode deixar!--e Bouc tratou então de amarrar o barco com certa preocupação
      Já era de noite quando chegaram e a cidade estava tão desorganizada quanto o normal. Não era nenhum lugar caótico, com pessoas gritando e coisas pegando fogo ou algo do gênero, pelo contrário, a maior parte dos transeuntes permanecia estranhamente quieta, em maioria só se ouvia o som dos passos na fina areia de concreto que cobria o chão e o murmurinho de alguns poucos conversadores nas barracas nas esquinas das ruas. Kar guiava Ox em meio a multidão. Até o centro da cidade:
 --Cuidado com o vômito!
 --...Não me diga!-- disse Ox esfregando o pé no chão tentando limpar em que pisará momentos antes (assim como as cobras, os boracs apenas vomitam)
 --Bem... Não vamos poder passar a noite no barco...
 --Por que?
 --Perigoso demais... Alêm disso os saqueadores negros cobram dos barcos estacionados e é mais barato alugar um cômodo.
 --Eles agem na cidade?
 --Eles comandam a cidade...
 --Bem... E quanto ao cômodo? Conhece algo?
 --Minha antiga pensão... Fica do outro lado da cidade...
 --Me explica uma coisa...
 --O que?--haviam chegado no centro da cidade, uma larga praça iluminada com postes de luz movidos a gás, circular e coberta por barracas e tendas vendendo de tudo, era o coração de apesar de todo o lixo no chão, a atmosfera lembrava a de uma bolsa de valores
 --Eu queria saber...--disse ele aumentandono tom da voz-- ...Por que há tantos prédios em pedaços! ?Parece que este lugar foi bombardeado!
 --E foi!
 --Mas por que?
 --É que este lugar foi originalmente construído por comerciantes que queriam negociar sem pagar impostos... Eles começaram com uns barcos ancourados em um banco de areia aqui no meio do mar e aí as coisas foram crescendo até a cidade chegar a este ponto.... Aff que calor! Um minutinho!-- tirou então o casaco e a blusa abaixo dele, colocou-os na mochila e ficou apenas com uma camisa sem manga-- Como você suporta este calor?.... Enfim, onde eu estava?
 -- “até a cidade chegar este ponto”
 --Ah sim!... Bem, aí houve a seca de 537... A seca dos cinco anos! A falta de alimentos colocou a nação de Parna contra Riacho Negro e a Ordem e Porto de Pedra teve que escolher um lado...
 --E escolheram o lado errado?
 --Exato... Depois que Parna caiu e foi dividida entre a Ordem e Riacho Negro, veio a vez de Porto de Pedra, no Grande Bombardeio de 540 que aniquilou grande parte da cidade... O governo caiu e grande parte dos locais foram embora, mas isso não impediu que outros chegassem e colonizassem as ruínas.
 --Entendi.... Aquela seca destruiu muitos países.
 --Aquela e as outras secas foram a pedra angular para Riacho Negro e a Ordem se tornaram o que são hoje, mas observe que... Ah! Chegamos!
       Ox virou-se e viu a antiga e empoeirada estrutura para qual Kar apontava, era um prédio caído aos pedaços  de uns quatro andares no estilo art decó com uma loja de charutos embaixo e uma escada que levava aos demais andares espremida a direita. A loja parecia tumultuada ao mesmo tempo que em chamas, devido a enorme quantidade de fumaça dos charutos que saia de dentro da loja. Subindo a escadas velhas de concreto, deram com um pequeno corredor de tijolos mau iluminado pela lanternas a gás e cheirando a mofo que dava numa porta de madeira embolorada. Ao lado da porta, jazia um borac velho, de camisa sem manga, sandálias e longos e grossos chifres, sentado numa cadeira com um rifle na mão, parecia estar dormindo:
 --Duno!... Acorda Duno!--dizia Kar enquanto balançava Duno violentamente
 --Ah?!... O que! Ooohhh!!--se espreguiçou brevemente--... Espere um pouco... Kar! Ha! Quem diria hein?.... Penseinque tivesse sido morto por um daqueles bichos!
 --Não, não... É que eu me perdi no meio do escuro fazendo mapas...
 --Mapas né?... Isso deve valer alguma coisa por aqui....
 --Vamos ver o que podemos fazer... Têm algum quarto? Eu e uns caras vamos passar um tempo aqui na cidade e precisamos de um lugar...
 --Negócios ou turismo?
 --Turismo.. Afinal quem não quer vir ver as maravilhas de Porto de Pedra!.
 --Hehehe... Espere um minuto...--meteu então a mão no bolso, ouviu-se um nítido tilitar do metal, tirou dali então uma chave com o número 17 escrito e disse--... A diária é trinta!
 --Subiu em cinquenta porcento? Mas como?
 --Meu único concorrente esqueceu de investir em instintores de incêndio....hehehe
 --O Tul? E como ele está agora?
 --No fundo do mar a esta altura, o incêndio do prédio dele atingiu os prédios vizinhos... E você aí? Não vai falar nada?
 --Nada a dizer.
 -- “Nada a diizeeer” Olha so como fica a cara dele! Haha
 -- Nós vamos pagar os primeiros dois dias agora e o resto agente paga quando sair....Hum... Ox, pode fazer o favor?
 --O que? Ah! Sim!
       Depois disso entraram. Subiram dois róis de escadas empoeiradas fedendo a bolor e chegaram no quarto dezesse o de  começaram  a arrumar suas coisas, era um quarto pequeno, com duas janelas, sem banheiro ou nada do gênero, apenas um cômodo quase vazio com um teto caindo aos pedaços ocupado unicamente com um relógio de mola sem graça na parede e uma mesinha de centro embolorada.
      Ox havia ficado quieto aguardando o momento para poder pagar o necessário e se afastar daquele indivíduo. Como todo borac, Ox tentava sempre fazer jus as palavras dos Lordes e seus ensinamentos, sempre tentava não julgar os outros ou discriminar, mas sem sombra de dúvida não simpatizara nem se simpatizaria com aquele sujeito, não sabia porque, talvez fosse o jeito de falar, o cheiro, ou a aparência, mas não gostava dele. Felizmente ele se julgava um bom ator e ninguém nunca reparava quando simplesmente desaprovava alguém. Naquele momento, se dirigiam ao porto encontrar Bouc para guiá-lo se hospedarem:
 --Não gostou dele?--perguntou Kar
 --O que?
       Eu disse que ele se julgava um bom ator, não que ele era um bom ator:
 --Dava para ver de longe... Que que foi?
 --Nada... Nada...
 --Dêe um tempo para ele...Já é gaulês, velho e lutou nas duas últimas guerra entre Gaul e Cidade de Pedra....
 --Considerando a idade dele acho pouco provável... Ele deve ter uns setenta...
 --É claro que isso foi quando ele era bem mais jovem... A foto do esquadrão de infantaria dele está em um dos corredores
 --Como assim? Gaul e Cidade de Pedra.... Caramba! Olhe a hora! Bouc já deve estar nos esperando!
 --Ele não sabe se cuidar não?
 --É um perigo a si mesmo! Se ficar muito tempo sozinho vai gastar nosso dinheiro em jogo!
 --Aff.... É melhor eu ir buscá-lo então...
       Saiu do prédio, atravessou a cidade e quando chegou lá, nada de Bouc, entrou em desespero enquanto pensava nas palavras de Ox. Correu em círculos pelo cais e por fim tentou as casas de jogo, quando entrou na terceira, viu Bouc na fila de uma máquina caça níqueis. Kar se lançou por cima dele, arrastou para fora da casa e lhe deu uns tabefes bem dados, depois contou o dinheiro e viu que ele só havia perdido uns cinco, deu-lhe mais cinco tabefez e partiram para a pensão.  
       A partir dai tudo correu bem até que Kar viu algo que o chocou, um cartaz vermelho, com um punho pintado em preto nele segurando uma baioneta, nada que não tivesse visto antes em pôsteres de recrutamento militar, quando leu então, acima e embaixo da figura, as palavra: “Una-se a Revolução, apóie a Cidade de Pedra!”
       Aquilo chocou Kar, ficou parado, enfrente ao cartaz, suou, suas pupilas dilataram, seu coração disparou enquanto uma onda de pensamentos inundou sua mente enquanto seu consciente parecia fugir de seu corpo e se perder em um mutirão de autoquestionamentos e desespero quando fui subitamente foi trazido devolta a realidade:
 --Cara! O que ocorreu?--disse Bouc em desespero
 --... Eh... O que é isso?
 --Não sabe? Ah é.... Você estava na Noite.... Não deve ter ficado sabendo da nada mesmo..
 --Sabendo do que?
 --A Revolução! Hehehe... Venha, Ox vai poder explicar comigo...
 --Explicar o que? Revolução?
 --Foram aquelas tempestades de areia em Gaul...--disse Bouc retomando o passo--... Elas encareceram os alimentos como se as chuvas em Riacho Negro A cinco anos atrás não fossem o suficiente...
 --Me lembro dessas chuvas, inundou um monte de coisa... Mas o que tem haver?
 --Os alimentos encareceram e as tensões entre os países aumentaram...
 --Denovo não!.... Mas eu não entendo... Revolução?
 --Eu sei né? Essa é novidade.
 --Mas o que ocorreu?
 --Eu estava na marinha e e estava patrulhando a fronteira marítima com Gaul... Fiquei sabendo de pouca coisa, mas Ox estava no exército! Vai saber te explicar melhor
      Por um minuto, Kar analisou aquela frase e a guardou na lista de provas de que eles dois eram de Cidade de Pedra, já que já havia descartado Riacho Negro, Gaul e qualquer cidade sobre o controle da Ordem, mas ainda sobrava a Ilha Euler como possibilidade, mas não perdeu muito mais tempo neste raciocínio e tornou aos seus pensamentos desesperados e irracionais e prosseguiu com eles até chegarem na pensão:
 --Mas que Revolução em Cidade de Pedra é essa?--disse ele em pânico a Ox que naquele momento tomava sopa de niz (niz é uma das poucas coisas cultiváveis no Cosmos, principalemente devido ao clima)
 --O que que foi?
 --Ele viu um dos cartazes da Revolução e está em pânico
 --Muita preoucupação com uma cidade estrangeira para quem veio de  Gaul
 --...Uma Revolução sempre resulta numa guerra! Tenho pelo que temer! Eu tenho meus amigos... Mas o que ocorreu?
 --Bouc não te explicou?
 --Ele disse que não saberia me explicar por que estava na marinha na época
      Bouc abriu então um livro e começou a fingir que o lia para evitar contato visual com Ox:
 --Bouc não sabe te explicar o que acaconteceu porque ele não lêe jornais! Odeia ler qualquer coisa! Mas deixa que eu te explico, eu estava no exército da Cidade das Pedras naquela época e....
       Não pode perder a oportunidade:
 --Mas não disseram que eram de Riacho Negro? Ah não! Bouc me disse que eram de Gaul não é mesmo?
       O silêncio foi geral e os três ficaram se encarando enquanto Ox pensava em algo para dizer. Após muitos raciocínio não chegou a lugar nenhum e disse:
 --Ok, ok.... Você é inteligente... Agente mentiu...
 --Posso saber o porque?
      Bouc e Ox se entreolharam rapidamente e então Ox disse:
 --Não.
 --.....Bem, posso saber o que eu perguntei?
 --Uh?... Ah! Claro! Claro! O problema foi o banco em si....
 --Mas como assim?
 --Olha, quando um boracs morre e não deixa um testamento dizendo para que suas coisas devem ir a lei da Cidade de Pedra diz que deve ser dado ao governo não é isso, e então descontado dos impostos da população não é?
 --Sim.
 --Então! Acontece que passaram uma lei que passava o direito à herança do governo aos bancos! Acredita neste tipo de coisa?
 --O que? Mas como?
 --Simples ué? O dodge eleito na última eleição, o Dodge Lor, era membro do Banco Nacional da Cidade de Pedra!
 --Está de brincadeira? Mas como isso é possível?
 --Simples! Não é! Foi aí que a coisa já começou a dar errado! Piorou quando os deputados da Câmara começam a barrar os projetos do dodge e piorou ainda mais quando dois deputados que lideravam o projeto de oposição morreram e aí.... Boom! Vem esta bomba! O país estava com a inflação alta! Tempestades de areia e seca encareceram a comida e aí tiram a única coisa que diminuia os impostos que pagamos? Foi a gota d’água! --Bateu com o punho na parede com raiva-- Aí protestos, prisões, mais protestos e a gota que fez o copo transbordar! O último deputado declaradamente da oposição que ocupava o cargo de Ministro da Economia foi retirado do cargo!
 --O Ministro Harsh?
 --Ele mesmo!
 --Mas que loucura! Ele era o único do Movimento Populista nos ministérios! Ele era muito popular entre toda a população!
 --É... Aí as pessoas foram as ruas, houve luta e no final daquele glorioso dia!.... O dodge estava enforcado em meio a Praça Nacional e Hard assumira o poder.... Só que as outras nações não aceitaram...
 --Gaul atacou?
 --Gaul, Riacho Negro, a Ordem, até mesmo mercenários daqui de Porto de Pedra.... Mas os gauleses foram os piores, com os bombardeiros aéreos...
 --Como? Gaul conseguiu construir zepelins?
 --Claro que não! Aviões! É esse o nome não é Bouc?
 --Sim, sim... Acho que sim.
 --É uma máquina vodora...
 --Eu sei o que são aviões.
 --Sabe? Para nos foi uma supresa!
 --Estavam desenvolvendo a um tempo, mas só tinham conseguido voos curtos... As notícias corriam nos jornais científicos das universidade.... Mas,..quanto tempo durou?
 --Um ano e meio... A Ordem foi a última a tirar suas tropas e assinar o armistício...
 --Por que?
 -- Acontece que ela também foi a primeira a enviar tropas alêm do fato de que antes da Revolução o governo de Cidade de Pedra confiscava dez por cento do que era cultivado e doava para a Ordem... Depois da Revolução, a Ordem foi simplesmente expulsa do país e criaram uma nova organização chamada “Irmandade da Fé”, debaixo do julgo do partido ela eliminou todos os membros da Ordem da nação e aí espalhou aqueles cartazes...como aquele que você viu....--a voz de Ox se enchera de certa angústia enquanto falava, Kar percebeu que o assunto o incomodava, mas sua própria inquietação o empurrou a perguntar
 --Você estava lá? Na cidade quando a coisa toda explodiu?
 --....Sim....
 --Como foi?
      Bouc, que até então ouvira a conversa apenas por tabela, agora escutava atentamente o temível e profundo som do silêncio a luz da tremula luz da lanterna de Kar enquanto o ventonuivava baixinho enquanto penetrava pela janela. Ouviu-se por fim um profundo suspiro por parte de Ox, que até então havia se posto a olhar pra o chão:
 --Desculpe... Eu não queria te incomodar com um assunto indesejado.
 --......
 --Bem, eu acho melhor....
 --Não, não... Não é isso.... É que aquilo foinum dia muito marcante para nós e.... Agente ainda se emociona...--contou uma leve e ligeiramente amarga rizada--... Mas respondedno a sua pergunta, sim e estava lá e se posso te dizer como foi.... Foi um caos!.... Eu meu pelotão estávamos na entrada Sul da cidade quando um mensageiro chegou do centro, estávamos ouvindo o barulho de protestos e quebra-quebras a dias mas sejá há muito que a cidade estava assim então nem ligávamos. O mensageiro vinha do centro da cidade, haviam montado uma barricada na parte região norte, mas quando os policiais tentaram derrubá-la foram atacados e irrompeunuma briga... A coisa foi crescendo e havia chegado ao centro...e o resto da cidade. Contando conosco só haviam trezentos soldados e a cidade tinha uma população de quatrocentos mil,...
 --Trezentos!? Mas como!? O exército era imenso!
 -- Era e é! Mas grande parte das tropas estavam nas montanhas, lutando contra rebeldes de Cascata Azul, aquelas coisas de independência deles... nosso coronel logo fez as contas e deu uma ordem apenas: “desertar!” e fomos espalhados pela cidade como loucos... Tirei meu capacete mas mantive o uniforme pois estava frio, comecei a rumar ao sul, em direção a um forte a cinquenta quilômetros juntamente com alguns outros do meu pelotão, descíamos a estrada como o vento quando vimos uma turba raivosa em nossa direção gritando:“abaixo os dodges!” Com machados, maetelos e espingardas nas mãos. O resto do pessoal correu, nunca mais os vi, mas eu pensei num plano próprio...
 --O que?
 --Ergui a minha baioneta, estufei o peito, me enchi de coragem, olhei para eles com sangue nos olhos e disse: “Abaixo os dodges! Abaixo os dodges!” Hahaha...--disse ele soltando uma garagalhada
 --Hahaha.... E deu certo?
 --Nem se importaram... Até mesmo porque a maioria dos militares era a favor da revolta... Devido a certos “financiamentos” feitos com o banco cujos os juros cobriam todo o orçamento militar... Depois eu os segui e me tornei um apoiador da Revolução! Hehehe...
 --Mas então porque... Por que abandonou Cidade de Pedra?
 --....Longa história... Bem, já é muito tarde e acho melhor acordarmos cedo amanhã.... Boa noite!--guardou a tigela de sopa suja, apagou a vela e deitou no chão de concreto, não parecia ter pressa alguma e enfaticamente evitou contato visual
     Olhando para o lado, Kar viu que Bouc também “caíra no sono” e pensou consigo: “Seja lá o que for que me estão escondendo, não é problema meu”
  
      

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Capítulo 4

Ao acordar, Kar percebera que a noite sumira e que o Sol já começava a se erguer criando o corriqueiro despertar alaranjado dos dias no Cosmos. As águas revoltas haviam se cansado e o vento uivante havia ficado rouco, sendo agora uma leve brisa que corria do Sul, de onde viam, para o Norte, para onde iam, carregando consigo um aroma salgado e ardente. Erguendo-se, olhou o mais longe no horizonte que pode, primeiro olhou a oeste e viu algumas nuvens distanteas embora pretas que em breve despencariam torrencialmente sobre o continente e constatou que estavam no Mar Oeste, já que só conseguia enxergar as montanhas. Olhando ao leste não viu nem constatou nada, pois imediatamente caiu delirando com uma terrível dor nos olhos. Bouc que ainda estava acordado tomando conta do timão, saiu de sua posição e tentou ajudar Kar, mas este já estava quase recuperado quando Bouc se aproximava:
--Pelos Lordes! O que aconteceu com você?
--Esqueci que não se deve olhar para o Sol...--disse ele com os olhos ainda lacrimejando
--Como?!--disse Bouc fingindo tentar disfarçar uma risada
--Não precisa fingir que tenta se conter!....--Kar era observador--... Sei que parece idiota... Mas tente entender, passei os últimos três anos em meio a escuridão! Há muito tempo que anseio por ver o Sol
Bouc se calou enquanto seu rosto exprimia o que parecia ser uma mescla de espanto e fascinação: "ninguém sobreviveria tanto tempo!"
--Como viveu tanto tempo no meio... Daquele caos!? É impossível! Desculpe mas não pode me convencer do contrário!
--E quem disse que quero te convencer do contrário?
--.........
--Bem, eu ia te falar um pouco do período que passei lá... Mas acho que você não está interessado...
--Não, não! Espere!....
--Por que? Nunca conseguiria te convencer mesmo!--disse ele voltando o rosto para o outro lado tentando esconder seu riso
--Não por favor me conte!
--.....Ok... Se me arrumar um charuto...
--Um charuto!?... Espere um minuto!
Correu de volta para a popa, onde Ox continuava no mesmo lugar onde Kar o deixará horas antes, a exaustão combinada com um soco aparentemente é um sonífero natural. Estava meio acordado (se você já acordou numa segunda feira sabe o que eu quero dizer com "meio") quando viu Bouc correndo como um louco em direção a sua própria mochila donde tirou um charuto um pouco úmido e saiu correndo em direção a proa e sendo profundo conhecedor da sua personalidade sabia que todo aquele estardalhaço devia ser causado por alguma coisa idiota.
Quando voltou entregou o charuto a Kar, que imediatamente o acendeu e tragou apenas para alguns segundos depois soltar uma larga fumaça cinza típica das folhas de kurja. Fitou Bouc esperando que este finalmente entendesse que cabia a ele perguntar algo para iniciar a conversa, mas ele não entendeu, então disse:
--Então... Não vai me perguntar nada?
--Ah é! Eu tinha me esquecido do porque do charuto!... Bem...Por que estava na Noite?
--Já me perguntaram sobre isso!--disse Kar desviando o olhar para o nascer do Sol que a tanto tempo ele não via e que agora ele sentia ter super estimado e subestimado ao mesmo tempo: "emoções são complexas" as vezes dizia ele consigo mesmo
-- Só entre nós!.. Diga o motivo verdadeiro!
--Como assim "verdadeiro"?
--Ninguém passa tanto tempo naquela situação por "conhecimento" apenas! Pelo menos não do tipo comum! Você estava atrás de algo grande não era!
--.....
--Olha!--disse ele um pouco irritado-- Todo mundo aqui está dosando palavras a conta gotas desde que nos encontramos! Não suporto mais isso! Sabemos que estava escondendo algo de nós! Você estava horrorizado quando nos encontrou pela primeira vez!
--Sim eu estava sim
--Por que!?
--Por que não ficaria? De início pensei que fosse um og vindo me matar! Depois que fossem assaltantes de qualquer espécie, mesmo que estes já não sejam ameaça..
--Como assim não são mais ameaça?
--O assaltantes que viviam na Noite! Não existem mais! Ficaram, sem vítimas a algum tempo... Se foram comidos ou forma embora eu já não sei...
--Ok, ok, mas isso não tem importância agora! Quero saber o que estava fazendo lá!
--....O Coração do Sol...
--O Coração do Sol?
--Procuro ele a algum tempo.... Na primeira vez que fui lá foi...por outros motivos, mas sabe como é que é? Uma descoberta leva a outra e...--fez com o rosto como se pensasse no que dizer a seguir--... assim vai...
--Então originalmente não estava atrás dele?
--Não.
--Então... do que?
--....
--A reconstrução das Nações da Noite?
--Sim...Há muito dinheiro nisso.
--Bem...nisso eu consigo acreditar...
--Uma pena...
--Como?
--Se você não consegue acreditar que alguém faz algo por outra coisa além do dinheiro ou fama, é uma pena....
--Bem...
--Significa que a mediocridade está tão profundamente enraizada em você que já se confundiu com sua razão e entendimento do mundo
--........
--.........
--Bem.... E como sobreviveu lá?--Ficara tão perdido que alguma coisa em seu subconsciente tentará, em pânico, mudar o rumo da conversa, enquanto seu a mente consciente tentava descobrir um lugar para esconder a cara
--Fungos...
--O que?
--Após a guerra dos traidores, que fontes de energia sobraram na Noite?
--Nada.... Bem, nada que eu saiba!
--Isso é porque você sabe pouco!--Bouc não se ofendeu pois sabia disso e ficou feliz que alguém lhe compreendia-- Acontece que ainda há na Noite alguns vulcões velhos e ainda um pouco ativos... perto deles vivem fungos chamados de "Palas Hugs" em homenagem a um professor de biologia meu dos tempos de colégio... Eles extraem a energia do calor vulcânico para crescer e se desenvolver
--Como você os encontrou?
--Fácil são bioluminescentes. ..
--Biolu... O que?
--Brilham...Mas o por que eu ainda não sei.... Nem pretendo saber... Isso é com os biólogos e eu sou um matemático!
--Matemático?.... Interessante...E como um matemático foi parar tão longe dos laboratório? ....Pensei que vocês ficavam em salas calculando e projetando coisas.
--Geralmente sim... Mas algumas coisas não batiam e eu sabia que lá talvez eu conseguisse algumas respostas.
--O que não batia? Alguma coisa na história? Já ouvi falar de alguns erros em "O Livro dos Lordes" mas...
--Alguns? Metade do que é narrado não tem nem data!.... Ah.... Mas...mas esse não é o pior problema não, o problema é a física!
--Como assim?--perguntou ele com certa curiosidade já esquecendo do constrangimento anterior
--É muita curiosidade para alguém que não está ganhando dinheiro com a conversa...--disse Kar jocosamente relembrando Bouc de seu constrangimento--...mas tudo bem!... Observe, como o Livro dos Lordes descreve a criação do mundo?
--Se eu me lembro bem.... Eles construíram uma máquina não foi Isso? --disse ele baixo enquanto olhava para a popa do barco
--Sim.
--Ah que bom!... Não conta pro Ox que eu me esqueci! Ele adora pegar no meu pé por essas coisas!... Mas continue!
--Bem, acontece que o livro diz que eles construiram uma máquina, A Máquina do Mundo, como a chamam, e através dela construíra todo o universo conhecido, certo?... Bem, aparentemente eles se esqueceram de explicar como a máquina funcionava! Não existe nenhum detalhe sequer disso por todo o livro!
--Vai ver que consideraram isso irrelevante.
--Acho que saber como o lugar em que você vive funciona e um pouco importante não concorda?
--É... Acho que sim... Para mim desde que funcione está bom...
--É direito seu pensar assim! Mas eu Sou um daqueles que sempre quis entender como tudo funicona! Sempre fiquei imaginando como eles construíram e como imaginaram tudo! De onde vieram...
--De onde vieram?
--Ué? Eles tem que ter vindo de algum lugar não é? Ou realmente acha que eles só boom! saíram do nada?
--Não, não, não, eu entendo eu entendo... Mas por que não foi para a Ordem ao invés de fazer justamente o contrário e quebrar as leis deles para viver?
--... Eu já disse, eles não tinham tudo de que eu precisava!...
--Mas mesmo assim...
--Você poderia perguntar diretamente aos Lordes!-- virando-se para a popa, ambos viram Ox que acabara de se levantar e ouvia de longe a conversa deles, parecia estar de bom humor e carregava um livro nas mãos
--O que é isso?--perguntou Bouc apontando para o livro
--Leia até a página 50!--disse Ox entregando a Bouc uma cópia do Livro dos Lordes
--Droga!--disse Bouc saindo enquanto reclamava consigo mesmo: "agente ouve isso na escola, por que temos que ler isso todo ano?.... Por que esses malditos físicos não criam uma máquina que lêe para gente? Seria mais fácil!"
--Mas me diga..--continuou Ox-- ...por que não simplesmente entrou para Ordem e tentou chegar a um dos cargos em Elsinor? Teria acesso direto aos Lordes!
-- Não é uma dúvida desse tipo! Não estava espionando a nossa conversa com atenção? Eu quero entender sobre a física de tudo!
--Nas universidades vocês não conseguem entender a perfeição das coisas não?--disse Ox sarcásticamente
--Pelo contrário... Não conseguimos entender a imperfeição das coisas!--disse Kar rebatendo sarcasticamente o sarcasmo de Ox!-- Eu mesmo estudei tantas imperfeições na propria física das coisas que tive que ir ao meio das trevas para enxontrar alguma luz!
--Bem.... Eu... Me diga uma coisa...--Ox não sabia nada da física ou da matemática, mas sabia menos ainda sobre as imperfeições destas ou mesmo do Cosmos, então entrou decidiu fugir do assunto--... Já esteve em Porto de Pedra?
--S...Sim.
--Que bom! Pois eu não e preciso saber uma coisa de lá.
--Passei algum tempo vivendo lá... O que precisa saber? Se for sobre o cheiro é verdade o que dizem sim!
--Não, não é isso!
--Então o que é?
--Onde fica?
--...............Puxa ainda bem que você me perguntou isso antes de chegarmos lá! Me dê e licença. --disse ele contornando Ox e indo para a popa
--Para que?
--Vou pro timão. Deixa que eu nos guio até lá--disse ele já quase chegando no timão em si, lembre-se que o barco era pequeno
--O...Ok. Mas agora...sobre a cidade...
--Pergunte o que quiser!
No restante da viagem conversaram sobre a cidade e o que fariam ao chegar lá, seria uma jornada de uns mil quilômetros ao norte de onde estavam e só chegariam lá dois dias depois. Enquanto isso, as notícias do roubo de um veleiro corriam pelos escritórios, gabinetes e quartéis da Ordem.
Tendo como nome oficial: "A Ordem par a Proteção em Territórios sob Comando Divino", ou "OPTCD", mas como o primeiro é muito longo e o segundo muito confuso todo a chamam de "a Ordem". São levados muito a sério por todos, quando estão por perto é claro, e tem como principal objetivo manter a lealdade de todas as cidades com os Lordes, por isso se declarando "guardiões da fé". Controlam toda a Região Sul do Cosmos, alêm das doações que recebem do resto do mundo, mas naquele dia o estardalhaço em Elsinor, sua capital, era geral:
--Temos que levar isso ao Mestre!--dizia o Coronel Nor, com sua armadura da Ordem habitual
--Impensável! Raramente temos ascesso a ele! Não podemos perder esse pouco tempo com uma bobagem dessas!--dizia um dos Secretários Oficiais do Mestre
--Bobagem?! Ladrões roubaram um barco a apenas trezentos metros das trincheiras! Como se já não fosse ruim o bastante que eles tivessem passado por nós sem percebermos eles ainda nos roubaram! Isso acabara com nossa reputação!
--Nossa reputação? Vai acabar com a sua reputação! Você é o responsável pela defesa das trincheiras!--respondia um putro secretário
--Eu!? Sou só um mensageiro! Fui colocado num caminhão para cá a meia a noite! Há três generais e um Marechal naquelas trincheiras! Eles me explicaram o que dizer e eu estou dizendo para vocês!
--Ok! Você já disse! E agora? O que quer que façamos?--respondeu o terceiro secretário
--O que eu pedi!
--Que tom é esse?--perguntou o quarto secretário-- E que história é essa de "eu pedi"? Está dizendo que não foram seus superiores que te enviaram aqui?
--Acho isso muito suspeito!--disse então o quinto secretário-- Devemos abrir um inquérito sobre o assunto!
--Um inquérito?!--disse coronel aterrorizado-- Não eu só...
--Calado! Ninguém solicitou falasse! --disse então o terceiro
O coronel ficou alguns instantes quieto enquanto eles conversavam entre si, isto é, se realmente estavam relamente conversando entre si pois no turbilhão de palavras que pareciam cuspir enquanto falavam dentre as quais só conseguiu distinguir "fétido" e "pasqual" antes que o quarto secretário perguntasse:
--Então não vai dizer mais nada?
--Disseram para eu só dizer algo quando requisitado.
--Ah é.... Está dizendo que somos incoerentes?
--N...Não
--Olhe o respeito! Onde está o "senhor"?
--Desculpe senhor!
-- Então? Onde estávamos mesmo antes deste idiota se atrapalhar todo?--disse então o primeiro secretário-- Redator Oficial!
-- "Calado! Ninguém solicitou que falasse" vossa excelência!
--Como ousa falar assim comigo!
--Só estava repetindo o que o senhor disse, vossa excelência
-- "Vossa excelência"?--disse então o coronel-- Não era "senhor"?
-- Só para o quarto e o terceiro secretários--respondeu o redator oficial que enquanto falava fingia que redigia automaticamente suas próprias palavras sem olhar para a máquina, uma vez que sabia que aqueles documentos nunca eram lidos-- O resto gosta de "Vossa Excelência"
--Redator calado!--disse então o segundo secretário furioso--Se continuar falando sem permissão vamos abrir um inquérito por insubordinação para você! Olhe o coronel! Já tem dois inquéritos nas costas! Mais um e será rebaixado!
--Dois?!?!--disse o coronel
--Isso mesmo! Um por incômodo de superiores e outro ineficiência! Já que até agora essa sua reunião as sete da manhã!, incômodo de superiores, não resultou em nada, ineficiência!
--Mas senhor,... quero dizer vossa excelência! Os senhores não entendem! Foram meus superiores que me enviaram para cá a esta hora! E os senhores não me deixaram terminar minha tarefa!
--Agora está nos culpando!?--disse então o terceiro
--E eu prefiro "senhor"!--disse o segundo secretário
--Não excelência! Me desculpe excelência! Me desculpe senhor!
--Ótimo! Agora saia! Já ouvimos demais dessa baboseira!
O coronel virou as costas e começou a se encaminhar para a porta quando ouviu:
--Onde estão as reverências?--disse o quarto
--Desculpe-me senhores e excelências!--fez então cinco reverências desesperadas e saiu o mais rápido que pode daquela sala ricamente decorada com paredes azuis, mármore e um único vitral simples que também funcionava como janela
Uma vez a sós:
--Então?--disse o quarto secretário-- Devemos falar com o Mestre sobre isso!
--É claro!--disse então o quinto-- É assunto muito importante! Por isso eu vou falar com ele!
--Para mostrar como você é "prepucupado" com essas coisas? Eu vou! Primeiro Secretário, pode me dar licença? --Mas quando o segundo secretário virou-se viu que o primeiro ja tinha saltado de sua cadeira e corrido para a sala do Mestre, pois todos sabiam que esse tipo de coisa melhorava sua imagem com ele
O segundo secretário sentou-se devidamente na sua cadeira e pôs-se a conversar com o terceiro enquanto os outros prosseguiam sem fazer nada até que o primeiro retornasse. Este era o dia a dia dos secretários do Mestre da Ordem em Elsinor na sua boa e velha ante-câmara principal, um cômodo da Cidadela que ligava Câmara do Mestre aos corredores da fortaleza.
Entrando na Câmara do Mestre, fez uma reverência a cada uma das duas estátuas de bronze do Lorde Elder que ficavam um pouco depois da porta e adentrou o aposento. A câmara, não era uma câmara em si, mas sim uma verdadeira caverna de tão imensa que era. Com 20 metros de altura, 30 largura e 70 de comprimento todo o ambiente era adornado com tantas pinturas, estátuas, altorelevos, tapeçarias e utensílios e relíquias feitas de ouro e diamante que eu levaria capítulos inteiros para descreve-las nesta estória, mas não vou faze-lo porque senão ela ficaria longa demais, então basta dizer que eram muitos e muitos itens feitos dos mais diversos materias preciosos, de fato, eram tantos que chegava até irritar um pouco os olhos, como se estivesse bagunçado.
No final da câmera, sentado em sua mesa alguns metros a frente do gigantesco vitral com o mapa do Cosmos que ocupava uma parede inteira, lendo alguns importantes papéis, estava o atual ocupante do cargo, o Mestre Bahr, era ele um borac de 70 anos, com uma mancha amarela envolta do olho esquerdo e outra na nuca, mas está ficava escondida por seu chapéu cerimonial, vestia-se com seus trajes normais, uma túnica branca e uma longa capa azul junto a um chapéu que mais parecia uma boina branca com dois buracos para seus chifres longos:
--Mestre,...--disse o primeiro secretário se ajoelhando em "respeito" a ele-- ...Temos notícias importantes sobre as trincheiras senhor.
--O que é?--disse ele sem tirar os olhos do papel
--Bem senhor, apesar dos demais secretários acreditarem que vossa excelência não devesse despender tempo com algo tão infímo eu...
--Vá direto ao ponto!--disse ele já furioso, sabia que na maior parte das vezes as notícias que lhes eram trazidas eram não só algo sem relevância, como parte de algum dos muitos planos de cada um dos secretários para serem bem vistos por ele pois quando morresse um deles seria seu substituto. Mal sabiam ele que ele os desprezava, parte por corromperem uma instituição sagrada, parte por serem chatos
--Bem... --disse um pouco contrariado--... o que aconteceu foi que um dos nossos veleiros foi roubado vossa excelência.
--Isso é coisa para o major da fortaleza de onde foi roubada... O que há de importante nisso?
--Bem vossa excelência... É que ele não foi roubado de uma das fortalezas ao Norte, mas de um porto perto das trincheiras...
--Como!?!
--É que....--ficou desorientado, não contava que ele ficasse tão surpreso assim--... Ele foi roubado por um grupo que voltava da Noite excelência... Conseguiram matar um deles, mas o resto escapou com o barco.
--E o que fizeram até agora?!
--Já mandamos avisos para os portos ao Norte para prestarem atenção com barcos de pesca e enviamos já dois vapores de Porto da Esperança em direção a eles para recuperarmos o barco
--O barco?! O barco?!?! Secretário! Vocês não compreende a dimensão disto não é?
--É que...
--Isso não é só uma violação direta da palavra dos Lordes! É uma violação dos tratados! Com todos os tratados que assinamos com Riacho Negro, Gaul, Cidade das Pedras! Nem mesmo os soldados de Euler tem permissão para abamdonar o Cosmos!--dizendo isso se levantou da sua cadeira e começou a andar apressadamente para a porta quando se enrolou em sua imensa capa-- Maldição! Por que tem que ser tão grande?!
--Ordem dos Lordes senhor! Não se lembra que eles...
--Calado! Eu não quis dizer isso!... Agora chame os militares para o Salão de Guerra! Precisamos também dos embaixadores e liguem os telégrafos!
--Mas senhor, não temos motivo para acreditar que eles eram de alguma nação em si... Pareciam ser só saqueadores comuns!
--Saqueadores comuns?! Desde que os Lordes incubiram a nós a tarefa de proteger a passagem ninguém passa! Por cem anos ninguém passou! Não são comuns! Tiveram ajuda de alguém mais poderoso
--Mas senhor...--abaixou então o tom de voz--... Eles não foram os primeiros a atravessar, não se lembra dos...
--Exatamente!--disse ele ajustando a realidade a sua declaração-- ...Todos esses que você ia citar não eram... comuns! ... Eles eram grandes ladrões e enganadores!--continuou agora um pouco mais confiante do que dizia-- E de qualquer forma a culpa é do Estado de onde vieram!
--Como...Aí! --tropeçou então na capa do mestre, uma vez que enquanto corriam não prestava atenção onde andava--... Desculpe senhor! Desculpe! Mas senhor, como assim? Não consigo entender!
--Em primeiro lugar não é preciso que entenda nada! Não se lembra do Livro dos Lordes?: "Uma vez que faça o que tiver que ser feito - não se preoucupe com o sentido - Pois sempre será o efeito - Um total e absoluto positivo"
O primeiro secretário ficou encarando o mestre por alguns segundos ante aquela poesia horrívelmente composta até que por fim o próprio mestre continuou:
--São seres divinos, mas não exatamente poetas..... Mas prosseguindo! Em segundo lugar, que das duas opções uma!: ou eles tiveram ajuda do Estado para passar, ou este não fea nada para impedí-los, em ambos os casos, podemos ganhar algo...